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sábado, 28 de maio de 2011

Dica de Livros A fortuna dos inconfidentes de André Figueiredo

Se depender da exaustiva e minuciosa pesquisa do historiador paulista André Figueiredo Rodrigues, o calendário nacional corre o risco de perder um de seus feriados mais importantes e festejados: o de 21 de abril. Nessa data se homenageia o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o “Tiradentes”, mártir da Inconfidência Mineira enforcado e esquartejado no ano de 1792. O historiador Rodrigues é o autor do recémlançado livro “A Fortuna dos Inconfidentes” (Globo), obra que revê radicalmente alguns aspectos do movimento mineiro, desconstruindo parte de seu ideário. Tiradentes era um dos rebeldes dessa sublevação. O autor do livro teve acesso a uma infinidade de documentos e de processos judiciais da época. A grande novidade é que, através deles, descobre- se que a corrupção e a festa com o dinheiro público não é característica dos atuais dias republicanos. A Inconfidência foi uma reação do Brasil Colônia contra os impostos escorchantes cobrados pela Coroa Portuguesa. Através da íntegra dos relatórios, a obra revela que boa parte dos bens que até hoje se atribuíam aos inconfidentes correspondia, na verdade, a uma ínfima parte de seu patrimônio real – ou seja, eles sonegavam o máximo que podiam. “Tudo o que era possível esconder, eles escondiam”, diz Rodrigues.
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O OURO DE TIRADENTES
De acordo com o livro, o mártir da Inconfidência não vivia de seu modesto soldo militar como
alferes – ele foi um homem influente e rico. Ganhou o direito de explorar 47 pontos de mineração na
Mantiqueira, criava gado, possuía sítios, sesmarias e escravos. Atuava também como agiota,
emprestando dinheiro a juros escorchantes. O livro defende a tese de que Tiradentes
não queria reformas sociais e igualdade de direitos
Assim, é equivocada a versão que se tinha até agora de que os 24 inconfidentes condenados por crime de lesa-majestade eram pessoas de posses muito modestas. Na visão de Rodrigues, os inconfidentes estavam distantes dos ideais de igualdade e liberdade defendidos pela Revolução Francesa e prova disso é que 60% deles eram proprietários de escravos e não se mostravam dispostos a aderir às teorias abolicionistas. Na narrativa do autor, o que se percebe é que todos eles buscavam burlar a autoridade da Coroa Portuguesa em benefício próprio e muitos entraram para o grupo dos inconfidentes em busca justamente de ajuda financeira. Entre os idealistas estão os poetas Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga (autor de “Marília de Dirceu”) e entre os pragmáticos que se aproveitaram do movimento para ganhar mais poder e fortuna estão os coronéis Domingos de Abreu Vieira e Francisco Antônio de Oliveira Lopes, os padres José da Silva e Oliveira Rolim e Carlos Corrêa de Toledo, o sargento Luís Vaz de Toledo Pisa, o minerador, e também poeta, Inácio José de Alvarenga Peixoto. Esse último se tornou ouvidor de Minas por indicação de um amigo influente – cargo que lhe foi comprado a peso de ouro. O livro conta que Alvarenga Peixoto, como representante do governador, pediu seis contos de réis para comprar produtos para a guerra contra os espanhóis travada no Sul do País. Recebeu o dinheiro público, mas o guardou para si e deu um calote geral. Utilizou-o para pagar as suas próprias dívidas, que nada tinham a ver com o conflito.
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“É a mesma forma de burlar e se apropriar do bem público.
Igualzinho ao que acontece hoje”

André Figueiredo Rodrigues, autor de “A Fortuna dos Inconfidentes”
Alguns nomes pouco lembrados na história da Inconfidência Mineira são os das mulheres dos revoltosos e elas ganharam destaque no livro. Após a prisão dos rebeldes coube a essas esposas administrar os bens da família para que tudo não se perdesse nos leilões da Coroa. E no processo de preservação do patrimônio, nunca por meios lícitos, elas mostraram ser mestres no ofício, como explica Rodrigues: “As mulheres burlaram as leis, tocaram as fazendas, subornaram os meirinhos e juízes. Foram responsáveis pela preservação da fortuna dos inconfidentes nas mãos das próprias famílias.” Para isso lançaram mão dos compadres influentes e dos amigos que tinham funções no alto escalão do palácio. É o caso de Bárbara Eliodora, mulher de Alvarenga Peixoto, e de Hipólita Jacinta, esposa de Antônio de Oliveira Lopes, grande proprietário da região mineira de Prados – ambos os maridos presos como inconfidentes.
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O QUE HÁ DE NOVOO poeta Alvarenga Peixoto enriqueceu ao “comprar” um cobiçado cargo de ouvidor
O confisco dos inconfidentes pela Coroa foi em vão: eles ocultaram 90% de seus bens
Bárbara Eliodora não ficou louca nem miserável: salvou grande parte de seu patrimônio
Bárbara Eliodora entrou para a historiografia oficial como uma viúva que enlouqueceu de amor e morreu na penúria. Na verdade, ela teve uma velhice tranquila e ainda deixou riquezas para toda a sua descendência, segundo provam os dados reunidos no livro. Bárbara soube acionar parceiros para proteger a fortuna do marido que Portugal tentava embolsar. Já Hipólita, também esperta, mostrou- se uma hábil financista ao encontrar por si mesma uma forma de subornar os fiscais da Coroa Portuguesa que tinham ordem para efetuar o seqüestro de seus bens. Numa carta reproduzida no livro e que revela claramente a mentalidade daquele período, Alvarenga Peixoto escreve às autoridades coloniais: “Entretanto, espero que Vossa Mercê dê alguma desculpa a um mineiro que tem obrigação e necessidade de ser mentiroso como os outros.” O trecho da correspondência aponta para uma das características marcantes dos inconfidentes: a mentira na divulgação do patrimônio e a consequente sonegação. Como se vê, a partir da obra de Rodrigues, há muita gente no Brasil, sobretudo na classe política, que vive um eterno 21 de abril.

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