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quarta-feira, 18 de maio de 2011

ESCOLA DOS ANNALES


Mais um trabalho para o professor Cláudio Batalha, agora os textos giram em torno dos Annales.

História comparada em Marc Bloch.

Na perspectiva de Marc Bloch há duas formas possíveis para se praticar o método comparativo que podem ser úteis a História. A primeira delas diz respeito a sociedades distantes entre si nas quais as analogias observadas supostamente não podem ser explicadas por influências mútuas nem por um passado recente comum, ou seja, grupos que não possuem ou possuíram algum contato, seja ele temporal ou espacial. Segundo Bloch tal método é importante por gerar um choque cultural, revela a diferença entre os diversos grupos espalhados pelo globo e assim evita que o historiador aproxime-se acrítica e indiscriminadamente de outras sociedades que não às nossas.
O método comparativo permite, através de hipóteses fundamentadas em possíveis analogias, completar vácuos que, por ausência documental, deixam lacunas no conhecimento dos grupos humanos. Essa é também uma das funções fundamentais da segunda forma de comparação, que segundo Bloch é a mais rica e delimitada; se refere ao estudo de duas sociedades que, por estarem inseridas num mesmo contexto histórico, de alguma forma dialogam entre si e desse modo possuem inegáveis analogias mentais, políticas, culturais, institucionais, dentre outras. A sincronia entre ambas permite que o historiador, levando em consideração que existe um mesmo plano de fundo geral, descubra causas mais profundas do desenrolar histórico que estão além das fronteiras nacionais.
Essas estruturas mais profundas em grande medida acabam por conduzir e delimitar a ação dos homens. Bloch busca, através de uma perspectiva de história total, uma sincronia entre as sociedades que não está presente na história factual mas que são perceptíveis quando olhamos o conjunto das relações humanas e o seu desenrolar conforme o período histórico. A história comparativa entra aqui como forma de revelar as aproximações e distanciamentos e assim classificar e criticar melhor os grupos e as formas como se dão suas relações.
É tendo em mente tais questões que Bloch, em seu livro, Os Reis Taumaturgos, tenta entender porque tanto na França como na Inglaterra do século XIV havia reis que na mentalidade coletiva eram incontestavelmente capazes de curar escrófulas. Para tanto Bloch pratica os dois métodos comparativos. Num primeiro momento enquadra o poder dos reis taumaturgos num contexto de âmbito mundial através do primeiro modo de comparação. O autor menciona exemplos espalhados por todo o globo (China, Egito, Dinamarca, Senegal, ilhas Tonga, etc.) do caráter divino atribuído ao superior (a realeza) dessas sociedades. Essa concepção supostamente transmitida ao ocidente europeu pela cultura germânica teria sido preservada mais ou menos secretamente na consciência coletiva numa longuíssima duração e foi reascendida graças ao rito de unção dos reis.
A partir de então Bloch foca mais seu estudo no caráter sobrenatural do poder régio na França e na Inglaterra, adentrado assim no segundo método comparativo. O autor mostra como, através de um estado mental do político e do religioso de toda uma parte da Europa, se originou e se cristalizou, com influências recíprocas entre os dois lados do canal da Mancha o nascimento de uma instituição precisa e regular, a cura de escrófulas a partir do toque real. E é depois de diversas idas e vindas comparativas entre a França e a Inglaterra da Idade Média que Marc Bloch, por um lado problematizando aspectos que por uma abordagem superficial poderiam ser considerados como naturalizados e por outro utilizando-se da comparação como forma de intuir questões não perceptíveis através dos documentos, remonta as origens e o desenrolar de todo o processo histórico que culminou na crença dos reis taumaturgos.

Lucien Febvre e O problema da descrença no século XVI: A religião e Rabelais.

No prefácio de seu estudo sobre Lutero, Lucien Febvre afirmou que o intuito de sua obra era o de “resolver o problema entre o indivíduo e o grupo, entre a iniciativa pessoal e a necessidade social”. Tal discussão geral se repete no estudo sobre Rabelais. A que atribuir às mudanças na história? Indivíduos que, ou por atuação política, por um dom fora do comum, ou uma inteligência excepcional determinaram os rumos tomados pela humanidade? Ou a algo mais profundo e complexo, a uma mentalidade formada coletivamente e de longa duração da qual todo indivíduo é irremediavelmente sujeito e só age respondendo as questões que a própria sociedade, em constante mutação, impõe?
É provável que Febvre considerou Rabelais um sujeito exemplar para tal discussão por dois motivos. Em primeiro lugar a documentação disponível em torno de sua figura é vastíssima, permitindo uma reconstituição mais fidedigna de quais eram as verdadeiras problemáticas que ele estava pensando e como os contemporâneos deste as viam. Em segundo lugar, é devido ao caráter bastante diferenciado desse indivíduo, ele, no mínimo, não pode ser considerado um homem comum do século XVI. Rabelais está no limite da fronteira do debate, pode ser interpretado de ambas as formas, por um lado como um homem excepcional que rompeu com os paradigmas de seu tempo, por outro, como um sujeito bastante representativo das novas mudanças e questionamentos que estavam ocorrendo na Europa humanista do XVI, seria um indivíduo bastante incomum, mas, ainda assim, dentro dos limites de sua época.
O radicalismo de Rabelais em suas críticas a Igreja fez com que ele fosse visto por muitos historiadores metódicos como um sujeito a frente de seu tempo, precursor de um ateísmo que só surgiria no século XVIII. Tais perspectivas, bastante problemáticas, tendem a colocar no indivíduo questões que são nossas, ver nas palavras por ele empregadas sentidos que não são os seus. Segundo Febvre o historiador deve ter um olhar mais crítico em relação ao passado, é preciso colocar em mente que o que aconteceu não necessariamente teria de ser assim, a História não está definida a priori, ela poderia tomar rumos extremamente diversos que talvez não culminassem no que hoje denominamos ateísmo. Tal concepção é simplesmente impensável no século XVI. Por isso Febvre se da ao trabalho de retornar aos documentos e pensar em que medida os escritos de Rabelais dialogam e representam as mudanças de tempo.
Após colocar fazer um breve esboço de como era a vida no século XVI (vida privada, vida profissional e vida pública), Lucien Febvre conclui que: “o cristianismo era o próprio ar respirado [...] Uma atmosfera em que o individuo vivia sua vida, toda a sua vida [...] automaticamente, sob qualquer condição, total e independentemente de toda vontade de ser crente, de ser católico, de aceitar ou praticar a religião.” Ou seja, não há possibilidades práticas, por mais que haja um gênio pessoal, ou um espírito crítico, de um homem do século XVI encontrar qualquer tipo de base para sustentar alguma lógica diferente, para além das possibilidades da sociedade onde está.

Fernand Braudel e a tradição dos Annales.

Em diversos aspectos podemos considerar Fernand Braudel como continuador do período inicial da Escola dos Annales. A começar pela refutação total da História dita factual, a história que se fixa apenas nos acontecimentos imediatos, nos eventos e nos grandes personagens para substituí-la por uma História que se preocupa com características mais profundas, em situar esses indivíduos e eventos num contexto mais amplo, em seu meio. Para Braudel, assim como para Lucien Febvre a geografia possui um papel de grande importância no estudo do passado, pois é na relação do homem com o meio, tanto físico como social, que a História se move.
Que o meio físico influencie a vida cotidiana tudo bem com relação à geração anterior, mas uma das principais críticas feita ao clássico livro de Braudel que trata do Mediterrâneo na época de Filipe II é o excessivo determinismo configurado por este ambiente físico, os indivíduos parecem pouco capazes de influir e formar novas configurações diante desse mundo como que insensível ao controle humano. Podemos dizer que em relação à primeira geração Braudel está pensando mais na estabilidade, numa história quase imóvel, extremamente próxima das estruturas a-históricas articuladas pela sociologia, enquanto Bloch e Febvre vêem a História como a ciência da mudança, e desse ponto de vista não estão tão preocupados com permanências mas com as mobilidades, as diferenças, as constantes rupturas que caracterizam a disciplina.
Ainda assim Braudel contribuiu mais do que qualquer outro historiador para transformar concepções de espaço e tempo vigentes na História. Ele se opôs de modo tão radical as percepções positivistas que por uma visão extremamente limitada só viam uma história superficial, que acabou por teorizar os tempos múltiplos da História, na qual a longa duração possui lugar privilegiado. E, apesar do determinismo, alertou ao historiador sobre a importância do meio cujas montanhas, correntes marítimas ou mesmo a vegetação acabam por configurar hábitos que permanecem por longo período e possuem um valor estrutural na dinâmica das sociedades.
Mas não foi só com a geografia que esse historiador dialogou, manteve-se extremamente fiel aos seus precedentes na tentativa de escrever uma História global, que saindo das fronteiras que separam as ciências visse o passado como um todo que deve ser apreendido com ajuda mútua. Para isso Braudel integrou em seus livros questões econômicas, sociais, políticas, culturais, geográficas, entre outras. A única disciplina que talvez deixe a desejar é a antropologia. Braudel disse pouco sobre atitudes, valores e crenças presentes nas mentalidades coletivas, e nisso divergia enormemente de Febvre. Ele sempre se interessou mais por uma história econômica, dando sempre grande ênfase aos números, as estatísticas e a demografia.

A relação entre a “Nova História” e a concepção de “história total” da origem dos Annales.

Segundo pensamos, a perspectiva do historiador deve encontrar um bom lugar entre dois extremos opostos, de um lado a completa generalização teórica desvinculada do real, e de outro a simples descrição de casos singulares sem qualquer inter-relação com estruturas mais amplas. A crítica dos primeiros Annales contra a escola positivista era justamente esta, era uma História fechada sobre si mesma, que cria que a simples junção de fatos poderia reconstituir todo o passado da humanidade. Estavam enganados. Na verdade a História é muito mais rica e complexa do que eles pensavam e pode apresentar discussões muito mais profundas do que atribuir tudo a simples mudanças superficiais.
Marc Bloch e Lucien Febvre fazem parte de uma outra tradição teórica, desejavam com vigor uma história mais problemática, com novas questões que revelassem mais a fundo as verdadeiras causas do desenrolar do passado. Nesse intuito começaram a pregar uma História mais globalizante. Pretendiam abordar não só os aspectos claros e visíveis revelados pelos documentos, mas a totalidade do homem no passado. Para isso era necessário fazer a História dialogar com as demais disciplinas das ciências humanas e sintetizá-las, todas elas, numa espécie de interciência que abrangesse todas as questões.
Nesse sentido, os Annales desde o início possuíam a idéia de trazer novas abordagens, novas problemáticas e objetos de outras disciplinas para dentro das discussões da História. Mas com o intuito primordial de se colocar contra toda simplificação e descrição fragmentária feita pela escola positivista, criando uma História que, por relacionar múltiplas e complexas questões vindas de outras disciplinas, conseguisse uma síntese mais aprofundada do passado. Aproximamos-nos desse modo a uma História que possui o intuito de, apesar de reconhecida a variedade, melhor sistematização e organização do passado a partir da relação entre uma estrutura lógica abstrata e o real.
Porém, essa terceira geração dos Annales tem lido a denominada História total de Bloch e Febvre de forma parcial, ampliam de maneira indiscriminada as abordagens sobre o passado para novos campos, mas sem qualquer esforço de síntese entre as múltiplas histórias fragmentadas que têm surgido. Não se deseja mais escrever a História, mas histórias sem relação entre si e sem uma perspectiva teórica geral mais bem formulada. Ironicamente os Annales voltam a simples descrição do passado e, ainda que essa seja feita de formas extremamente múltipla, continuam a abordar a história superficialmente, sem buscar uma mais complexa explicação e teorização das ações humanas no tempo através de um esforço relacional entre as diversas formas de se pensar a História hoje.
Desse ponto de vista temos a impressão que a História acabou perdendo seu embate para com as ciências sociais. Como queria Levi-Strauss o passado é simplesmente um grande campo da experiência humana, o historiador deve revelar essa história fragmentária dos grupos humanos cabendo ao sociólogo organizar de maneira sistemática o que é o homem e como se dão suas relações. Essa Nova História, depois de englobar tudo e não sintetizar nada, perdeu todo o sentido de ser, ela parece ser tudo e ao mesmo tempo não significar nada, fala de infinitas maneiras mas não chega a lugar algum a não ser a multiplicidade, a relatividade.

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