MENU @

mensagem

Banner 3

banner

Seguidores

terça-feira, 17 de maio de 2011

Americanização


Trabalho desenvolvido no segundo semestre de 2008 para a disciplina de Constemporânea II, ministrada pela professora Eliane Moura.
-
1) Análise do filme “O Meu Tio”
-
-
Terminada a Segunda Guerra Mundial a Europa se viu dividida entre áreas de influência das superpotências vencedoras. Os Estados Unidos da América, que lideravam o bloco de organização capitalista, temendo o avanço comunista anunciou em 1947 o Plano Marshall para promover a recuperação econômica e política das nações da Europa ocidental. Acompanhando as ajudas financeiras advém na Europa um forte processo de modernização da sociedade por meio dos preceitos americanos dos modos de produção, da arquitetura, e mesmo do estilo de vida da população. O progresso econômico do período e a propaganda dos EUA como os grandes vitoriosos possibilitaram à ascensão de uma nova classe média que aceitou abertamente os novos ideais materialistas e consumistas da modernidade americana.
O filme O Meu Tio produzido em 1958 por Jacques Tati levanta várias críticas ao avanço dessa modernidade através do contraste humorístico e bem salientado entre uma sensibilidade mais antiga e afetuosa nas raízes da sociedade francesa e todo esse processo de transformação social em seus êxtases e impasses. A distinção clara entre dois mundos diferentes que não são capazes de se fundir é retratada nos muitos aspectos da vida humana como uma incompatibilidade na qual a nova sociedade que estava por se formar pretendia absorver o antigo modo de viver levando-o a adotar novos hábitos cotidianos. Isso, pelo que é possível perceber no filme, representaria a estandardização do indivíduo e a deterioração das relações sociais numa sociedade consumista, falsa e fria. Os elementos que representam o tradicional, porém, na sua inadaptação ao moderno, criam novas possibilidades, reinventando.
A história é simples. Monsieur Hulot, personagem principal interpretado pelo próprio Jacques Tati é um sujeito simpático e um pouco desajeitado que não se adapta bem aos novos parâmetros. Vive numa vila tradicional no subúrbio de Paris, mas algumas vezes vai até a parte mais moderna da cidade visitar sua irmã, a madame Arpel, cujo marido, Charles Arpel, é um bem-sucedido diretor de uma fábrica de plástico. Charles acha que Hulot, solteiro e desempregado, é um mal exemplo para seu filho Gerard e tenta descobrir um meio de afastar o garoto do tio. A madame Arpel, tentando resolver o conflito no lar ocasionado pelo ciúmes do marido sugere: “do que o meu irmão precisa é de um objetivo. De um lar. De tudo isso.” Quando fala em objetivo ela está querendo dizer um motivo que o faça abandonar seu estilo de vida diletante para se adaptar a vida moderna. O filme se passa em torno da tentativa do casal em dar um “objetivo” a Hulot através de um possível casamento com a moderna vizinha e um emprego na fábrica em que Charles trabalha. Os Arpel fracassam em seu intento, enquanto Gerard admira cada vez mais seu tio.
Sempre que vai visitar a irmã o Monsieur Hulot atravessa as ruínas de um muro que representa a ruptura entre a cidade tradicional, rústica e popular, e a cidade moderna, sofisticada e elitista. Não há verdadeira comunicação nem circulação, são dois mundos distintos de realidades em grande mediada antagônicas. O bairro onde Hulot mora, embora pobre, desordenado e periférico, é mais feliz e caloroso. É uma rústica comunidade tradicional com um mercadinho na praça, pessoas ociosas conversando e crianças brincando na rua, tais situações são um elogio ao lado afetivo e pessoal das relações que se estabelecem no cotidiano. O bairro, do ponto de vista racional é desordenado e em certa medida imprevisível, mas na verdade existe uma ordem que vai sendo estabelecida pelos próprios moradores no dia-a-dia. A casa de Hulot propriamente está inserida num aglomerado cheio de reformas e adições, onde a circulação é totalmente disfuncional. Depois de dar várias voltas e subir e descer escadas, Hulot pega a chave “escondida” em cima da porta e entra na pequena casa.
Em contraste a casa da família Arpel situa-se num bairro de classe média alta e é extremamente sofisticada e ordenada. Os grandes e vazios cômodos são de estética contemporânea, com linhas geométricas. Tudo se pretende extremamente funcional. A cozinha, rigorosamente higiênica e organizada, possui as mais variadas e inúteis bugigangas mecânicas que se poderia obter na época. A sala é vazia com alguns móveis de design arrojado, mas extremamente desconfortáveis, porém isso pouco importa, “tudo comunica” diz madame Arpel. Todavia, contraditoriamente, toda essa sofisticação, ao invés de propiciar maior liberdade, acaba ditando o próprio ritmo e as regras da família, tudo é racionalizado de modo a organizar as atividades do lar como almoçar ou assistir a televisão na hora exata e na cadeira certa. Toda aparelhagem eletrônica que deveria facilitar a vida cotidiana, acaba atrapalhando na maioria das vezes. Talvez a única coisa não funcional da casa é um chafariz em formato de peixe no jardim que é acionado quando alguma visita importante chega, ele acaba por demonstrar a falsidade nas relações sociais e a hierarquia no trato para com as pessoas. Essa modernidade elevada a extremos acaba tornando a vida monótona e previsível, pela repetição do mesmo da máquina, que apenas muda com a aquisição de um novo bem. Também acaba por esfriar as relações humanas num clima de falsidade e segundas intenções. Tudo soa esteticamente perfeito, coerente e organizado, porém inútil.
Numa casa vazia e monótona e com pais que só querem que estude e seja organizado, o menino Gerard fica entediado e passa a admirar o tio que, mesmo sem querer, não se adapta aos padrões impostos pela casa e acaba usando os objetos erradamente. Nesse estranhamento e dificuldade de Hulot em viver de acordo com vida moderna Jacques Tati colocou sua crítica de forma extremamente perspicaz e humorada. No meio de um mundo que era o sonho de grande parte da burguesia francesa do período, sendo tudo artificialmente projetado para o máximo de eficiência, Hulot oferece novas possibilidades que desafiam a ordem. Ao fim ele acaba comprometendo a produção da fábrica e aprontando várias peripécias no almoço de encontro com a vizinha da família Arpel. E frustra ainda mais o plano do casal Arpel quando leva Gerard para o bairro em que vivia e o garoto fica encantado com a simplicidade e diversão daquele lugar. Aproveita pra brincar com outros garotos, aposta moedas para fazer travessuras e come sonhos feitos por um doceiro de mãos sujas.

- TATI, Jacques. 
Meu Tio. 1958
-2) Catolicismo e Modernidade no pós Segunda Guerra.

As mudanças econômicas, sociais e culturais tanto da Europa quanto no mundo após a Segunda Guerra Mundial acabaram por produzir alterações profundas na igreja, tanto no clero quanto na percepção religiosa dos fiéis. Dentre os diversos fatores históricos que nos ajudam compreender tais mudanças podemos destacar a emergência de uma sociedade de consumo e hedonista que acaba optando mais por busca material do que espiritual; a influência de concepções de mundo que se pretendem mais igualitárias que ajudam a provocar uma crise de consciência de parte da igreja em relação às desigualdades sociais; e a valorização crescente da subjetividade do indivíduo na modernidade produzindo uma nova religiosidade que se afasta cada vez mais da igreja institucional para colocar em prática sua própria percepção moral do universo religioso. Para desenvolver melhor essas questões abordaremos algumas características que se modificaram na religiosidade cristã discorrendo, primeiramente, sobre a instituição, e em seguida sobre as mudanças religiosas na prática católica dos fiéis franceses.
São transformações incontestáveis no clero europeu a drástica redução na quantidade de sacerdotes e a pluralização destes em posições muitas vezes contrárias às regras estabelecidas pelo Vaticano. Ultimamente o próprio clero tem questionado questões referentes ao celibato, a ordenação de mulheres, o distanciamento em relação à sociedade e mesmo a hierarquia da igreja. O Concílio do Vaticano II convocado pelo papa João XXIII é em parte conseqüência e em parte estimulador dessas mudanças. Ali se considerou a possibilidade de que todas as religiões contenham verdades e significados fundamentais, defendeu-se a tolerância e compreensão para com a diversidade, além de levantar um apelo do papel da igreja para com os pobres. Em relação às práticas católicas a missa foi ampliada para o fim de semana, o vernáculo substituiu o latim, a comunhão pôde, desde então, ser ministrada por laicos e o papa se comprometeu a reunir periodicamente o sínodo episcopal para conciliar a diversidade das igrejas locais e a unidade da igreja universal.
As modificações acabaram por afrouxar um pouco a rigidez da igreja em relação a dogmas e rituais tradicionais, aos poucos foi sendo substituido o rigor e a punição pela prevenção, educação e aproximação. Para citar como exemplo, o Vaticano II reformou o ritual penitencial, a confissão que antes era imposta e tinha por base o medo do fiel em relação ao seu pecado passou a ser uma conversa para reconciliação. É o padre que deve falar em primeiro lugar sobre o amor e a misericórdia de Deus e só depois deve ouvir o testemunho do fiel. O clérigo é apenas um mediador, sem poderes judiciários e punitivos.
É certo também que o Concílio possibilitou uma admissão maior de outras possibilidades no seio da igreja quando lembrou que a Igreja é o povo de Deus e não apenas uma sociedade hierárquica com todos os interesses voltados para si. Desde então, os defensores de uma igreja mais radical e comprometida começaram a vislumbrar a possibilidade de modificação da prática dentro da própria igreja. Esse novo momento foi propício para dar voz àqueles padres que denunciavam a miséria, principalmente em relação ao terceiro mundo, e a aliança da igreja com as forças conservadoras. Na América Latina isso foi sentido de forma mais forte na Conferência de Medellín na qual a discussão principal foi em relação à atitude que a igreja deveria tomar diante da miséria material e moral dos explorados. A cada vez mais os católicos, preocupados com causas sociais, vieram a intervir nos debates políticos.
É nesse momento também que surge a teologia da libertação que se propõem a buscar uma linguagem para falar do amor de Deus aos cristãos deserdados. Para isso, principalmente a partir da linha marxista de interpretação da realidade social, propõem que o cristianismo pretende a libertação total do individuo em seu aspecto social, político e humano, e não apenas no plano espiritual. Desejavam uma igreja guiada a partir da base, mais ecumênica e, principalmente, comprometida com a causa do oprimido.
Tais modificações de parte do clero católico provocaram uma inevitável reação dos grupos conservadores e uma pluralização política ainda maior no seio da igreja. O papa João Paulo II adotou uma postura dúbia, em grande medida conservadora, embora com alguns traços progressistas. Denunciou as injustiças sociais e declarou-se favorável a opção preferencial pelos pobres, porém não deixou de alertar contra as contaminações marxistas e afirmar que cabe a hierarquia dar a orientação. Outros membros mais tradicionalistas, acostumados com a igreja litúrgica, dogmática, relativamente esotérica e fundada no Latim, se manifestaram contra as modificações que lhes desagradavam.
Mas não foi apenas a igreja que se modificou nesse período, os cristãos também são muito diferentes hoje do que eram no começo do século passado. Pode-se dizer que muitas das transformações da igreja nas décadas passadas advêm de mudanças anteriores na mentalidade dos fiéis. Para nossa análise limitaremos o estudo para o caso do catolicismo na França onde a relação entre cristianismo e modernidade possui algumas características mais marcantes. Segundo o que alguns dados nos indicam, em relação aos fiéis franceses o que se percebe é a estagnação de seu número, redução da prática religiosa e uma grande heterodoxia com relação às crenças religiosas. A maioria considera que a religião traz força e consolo, mas prefere que a ética seja tratada como algo laico. Normalmente são tolerantes e compreensivos com relação à diversidade de outras crenças e possuem uma concepção abstrata de cristianismo.
Nas últimas décadas o imaginário cristão se despojou gradualmente das concepções do Inferno, do Purgatório e do Paraíso. A distinção entre a eternidade de felicidades ou de sofrimento que antes eram realidades sentidas pelos religiosos passou a ser mais uma abstração que apenas uma parcela acredita de fato. O desaparecimento do imaginário infernal parece ter relação com o fato de que até recentemente a miséria, subnutrição, promiscuidade entre outras coisas faziam parecer que o inferno estava na terra. Como o crescimento econômico do pós Guerra enriqueceu todas as categorias sociais acabou por tornar a vida terrena, se não paradisíaca, ao menos suportável. Desde então, os homens deixaram de pensar no além para sonhar numa ascensão social na própria terra, os objetivos consumistas imediatos entram como prioridade retirando a percepção da eternidade.
Diante da descrença em relação ao castigo divino e ao inferno veio a decair também a prática da moralidade religiosa ditada pelo Vaticano. O sentimento de culpa se deslocou e a hierarquia dos pecados mudou. Poucos franceses consideram que a igreja deve opinar em relação às exigências morais relativas ao sexo e a vida do casal, o que fica óbvio pelos poucos praticantes que condenam a contracepção. Mesmo reconhecendo e respeitando o papa muitos católicos questionam se o que ele decide realmente é mais certo do que sua própria opinião sobre o assunto. Apesar de ouvirem as recomendações do clero não se submetem a elas e isso hoje já não lhes pesa na consciência, isso indica uma autonomia moral por parte dos membros, podendo ainda significar que a religiosidade católica tem tomado um rumo de cada vez mais se tornar independente em relação à instituição.
Tal característica pode ser observada também na drástica diminuição de pessoas que vão à igreja confessar, a maioria prefere não falar de seus pecados. Ou ainda na polarização que ocorreu durante os movimentos de libertação latino-americanos entre uma tendência conservadora que desejava a manutenção da hierarquia e uma igreja aberta ao mundo e a justiça, preocupada com os excluídos: os pobres, imigrantes e desempregados. A manutenção da religiosidade, apesar da diminuição do comparecimento à missa semanal, e a pluralidade de percepções contrárias ao poder centralizado, só pode ser explicado como um processo de autonomização dos fiéis frente à religião e a afirmação do poder dos laicos dentro das estruturas eclesiásticas.

-
NAHUN, Vicent. "Os católicos, o imaginário e o pecado" em: História da Vida Privada: Da Primeira Guerra aos Nossos dias, Vol. 5, São Paulo: Cia das Letras, 1992. pp. 392-425.

Nenhum comentário: