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quarta-feira, 18 de maio de 2011

A morte de Deus e a morte do Homem no pensamento de Nietzsche e de Michel Foucault


Fichamento da dissertação: A morte de Deus e a morte do Homem no pensamento de Nietzhsche e de Michel Foucault
Primeira parte: O Sol Nietzschiano

A primeira parte do livro o autor dedica a análise do alemão Wilhelm Friedrich Nietzsche discutindo nele três questões principais: o pensamento trágico, a crítica à consciência, a linguagem e a razão, e a morte de Deus. A análise dessas questões são colocadas pelo autor no intuito de esclarecer posteriormente o encadeamento da perspectiva teórica de Nietzsche e Michel Foucault mostrando como este se esforçou em confirmar e mesmo ir além do filósofo alemão.

O pensamento trágico para Nietzsche é a chave para uma nova visão de mundo, uma visão que se volta agora para a estética, a arte, a poesia. Esse pensamento é, acima de tudo, afirmativo, pois ele ama a vida como ela é, a vida como um jogo, pura sensação, estética, irresponsável, independente, afirma mesmo o sofrimento, a dor, tenta ver um lado bom em tudo. Só a tragédia possui um olhar penetrante e percebe a natureza da realidade, mostra as coisas como elas são, uma arte, um constante moldar-se, o devir. O principal representante dessa tragédia é Dionísio, para ele a vida é justa, por isso não deve ser julgada. Aceita tudo sem culpa, afirma a pluralidade, o prazer, a atividade, a diferença, o acaso.
Opondo-se a tragédia está a tradição da cultura ocidental. Sócrates é o primeiro representante, um racionalista. Para ele o mundo deve ser julgado pela idéia (idealismo), nele a consciência é positiva, já o instinto, esse é negativo. Outra oposição que vem a dominar o pensamento Ocidental é o Crucificado, para quem a vida deve ser justificada, deve ser renunciada, negada, ela é caminho a uma realidade superior mas não a felicidade em si. A vida faz sofrer, é enganosa, é triste. O último opositor a Dionisio é o niilismo da consciência européia que após matar Deus se coloca com culpa em seu lugar, esse é o último homem, infeliz, pois depois do deicídio percebeu que sua própria existência perde o sentido.
Por isso Nietzsche faz falar Zaratustra que ensina a superação do homem, a idéia é que, morto Deus o homem também deve desaparecer de modo que só resta a ele se superar, tornar-se o super-homem, esse é o exemplo máximo da transmutação dos valores e da afirmação dionisíaca. Afirma o trágico, o riso, a dança, o jogo, deseja um sujeito que se entrega e se dissolve no mundo.

Essa interpretação do mundo feita por Nietzsche advém de uma constatação, a de que para tudo o que é essencial para a vida a consciência de si é supérflua. Para Nietzsche a consciência é necessária apenas para a comunicação numa rede homem-homem, apenas para o diálogo a consciência foi obrigada a se desenvolver. Desse modo o homem passou a se expressar por meio de signos daquilo que lhe era consciente. De forma que podemos entender a consciência não como uma realidade anterior de onde devem ser retiradas verdades mas como uma construção coletiva de signos, que são desenvolvidos segundo a utilidade para o rebanho. Essa consciência da uma falsa aparência de signos ao mundo, generaliza e vulgariza a realidade. Ordena o mundo.
Por isso que para Nietzsche a linguagem é uma forma de comunicação pobre, ela não serve para comunicar sentimentos, ela opõe onde há apenas gradações, de forma que a linguagem passa a nos constituir e não o inverso, só sabemos o que é útil ao grupo. Nesse sentido a verdade não possui mais valor do que a aparência porque a própria verdade é aparência.
A linguagem cria uma tendência a isolar, singularizar fatos do mundo e vê-los por si, nos induzindo a apresentar as coisas de modo mais simples do que elas de fato são, para que assim possamos nos apoderar da verdade a respeito das coisas. Buscamos os fatos idênticos, porém tudo é diverso no mundo e as atividades no conjunto são um continuo, um devir, tudo está sujeito a mudança. O fato é que não existe um exterior eterno, relações fixas, princípios transcedentais imutáveis, há apenas o devir, o exterior é uma simples projeção daquilo que criamos, é apenas aparência. A própria linguagem é uma rudimentar forma de psicologia que manipula as categorias da razão, acredita no eu como substância e projeta essa crença para todas as coisas.
As palavras são um ato de autoridade e estão associadas ao poder, elas criam novos valores e aos fracos só resta distorce-las, invertê-las. Força equivale ao impulso, a ação, e se não existe um substrato por detrás do fazer, ação é tudo.

Dentro desse olhar cético de Nietzsche o próprio Deus acaba por desaparecer, é apenas mais uma das dimensões humanas, demasiadamente humanas que o homem projeta para fora de si. Para ele as coisas sobre-humanas são apenas ilusões, toda metafísica é uma grande ficção. Tudo isso deve ser desmascarado para libertar o homem dos ideais transcendentes, é necessário se desvincilhar de tudo isso para poder superar-se num gesto trangressor como o de um louco criando assim novas possibilidades. Depois de morto Deus o próximo será o homem, Zaratustra indica duas possibilidades, ou ser o super-homem ou o último homem.
O primeiro está no sentido positivo, o super-homem proclama uma nova saída, novo modo de sentir e pensar, uma nova subjetividade criadora de valores, é necessário voltar-se inteiramente para a terra de maneira afirmativa. Já o último homem é o inverso desse, ao matar Deus sente-se culpado e coloca-se no lugar dele, é um ser ausente de vontade, não ama, não cria, quer certeza, facilidade, é o niilista pra quem a vida não faz mais sentido. Para Nietzsche tomar essa atitude negativa é permanecer no vício antigo, é matar Deus e continuar a reverencia-lo através de outros termos que mantém a mesma tradição.
Segunda Parte: Michel Foucault, Crítico da Racionalidade Moderna

Na segunda parte de sua dissertação José Guilherme Dantas Lucariny vai voltar-se para Michel Foucault, o crítico da racionalidade moderna. Foucault questiona aquilo que acabamos por nos tornar, o homem sem Deus e apenas com uma racionalidade ilusória, questiona os limites que nos são postos e as possibilidades de superação. Para isso Foucault vai se voltar para as condições de possibilidade dos saberes do homem, para saber a partir de quais jogos de verdade o homem se constituiu como experiência. Para dar conta disso Dantas Lucariny divide o pensamento de Foucault em dois momentos, o projeto arqueológico e o genealógico.

A história arqueológica têm uma preocupação fundamental com o saber, ou seja, com a formação histórica dos conceitos que legitimam determinadas práticas. A influência de Nietzsche é aqui fundamental, assim como ele Foucault não deseja sistematizar, descobrir os objetos em si, mas antes perceber a relação sabendo que o que se faz é interpretar. A arqueologia de Michel Foucault vai se voltar principalmente para a pesquisa sobre o homem e as ciências que o estudam, não no sentido de fazer uma epistemologia mas de questionar a própria racionalidade cientifica através de uma análise conceitual do discurso.
Num primeiro momento Foucault estuda a história da loucura, mostrando como esta é progressivamente dominada pela razão. Para isso ele faz uma arqueologia do silêncio mostrando como a cultura ocidental acabou por rejeitar a tudo que lhe era exterior e incompatível aos seus valores, forçando todos a se ordenar segundo a sua lógica. Após um estudo sobre o nascimento da clínica mostrando a cientificização da medicina Foucault parte para uma arqueologia das ciências humanas. Em seu livro: As palavras e as coisas ele mostra como se deu a constituição histórica dos saberes do homem.
Segundo Foucault essa arqueologia do saber têm a função de libertar a história do pensamento da fenomenologia, da transcendência e do antropomorfismo, trata-se de desmascarar a soberania da consciência e a ilusão da continuidade histórica ininterrupta. Ela mostra a descontinuidade, as transformações, as dispersões. Alertando que em todas as sociedades a produção do discurso é controlada, selecionada e redistribuida por procedimentos que têm por função seus poderes. É necessário questionar a vontade de verdade, restaurar o caráter de evento do discurso e abolir a soberania do significante.

Para dar conta de estudar esses poderes na sociedade Foucault desenvolve o conceito de genealogia que pretende explicar o aparecimento dos saberes a partir de condições de possibilidades externas a eles, como dispositivos de natureza política. Para isso também também parte para um novo conceito de poder, não mais na relação simplesmente como estado, mas como uma rede que penetra todo âmbito da sociedade numa microfísica do poder que controla toda a vida dos homens. Os poderes são também locais, pontuais, desenvolvem diferentes relações com o estado mas se apresentam na realidade concreta a partir das relações.
Nesse sentido todo saber possui sua gênese em relações de poder, o saber é feito para dominar. A genealogia estuda as proveniências, as emergências dessas relações de força, procurando sempre na origem a discórdia, o disparate e o acidente, as múltiplas relações e configurações possíveis. O saber genealógico é também perspectivo, é descontínuo, não possui absoluto e por isso faz a verdadeira história. Apenas destrói, desconstrói realidades, identidades, modelos.
Terceira Parte: A Insustentabilidade do Homem

A última parte da dissertação é também a mais complexa e aprofundada em termos de discussão teórica. Aqui o autor busca uma relação mais aprofundada da relação entre Nietzsche e Foucault a sombra de três eixos principais, a experiência trágica da loucura, a linguagem e a literatura e por fim da morte de Deus e da morte do homem. Mostrando como “a tese da morte do homem aparece em Foucault como coroamento de todo um trabalho filosófico que, partindo da epistemologia, e profundamente inspirado no pensamento trágico e na questão da linguagem levantada por Nietzsche enceta uma crítica à racionalidade e ao saber modernos, notadamente às ciências humanas, crítica está em que é o próprio lugar do homem enquanto esfera de um saber que parece não mais se sustentar”.

Como vimos Foucault em História da loucura questiona os jogos de linguagem da psiquiatria e nos leva a compreender suas condições de existência. A estrutura moderna está relacionada numa relação de crueldade para com a loucura. Interessado em confrontar às dialéticas da história às estruturas imóveis do trágico ele acaba por fazer a história da rejeição da loucura pela modernidade como uma forma também de rejeição ao trágico; uma história dos limites, do silêncio no qual uma sociedade rejeita o que lhe é exterior. Ao final Foucault conclui que a loucura triunfa sobre a psicologia, não é mais a ciência que detêm o domínio da desrazão, ao contrário é a loucura, como tragédia (e aqui Foucault reporta a Nietzsche) que explica a própria psicologia. No final é a loucura que conduz o mundo e o interroga.
Temos então, como em Nietzsche, duas formas de experiência que se opõe, a reflexão cósmica como elemento trágico e a reflexão moral como elemento crítico, a partir do século XV elas vão se separar cada vez mais abrindo um vazio, o trágico será então reprimido em prol da ascensão da racionalidade. Nietzsche aparece então como uma reação aquela opressão ao lado de Van Gogh e Freud.

Na questão da linguagem Foucault se ve muito influenciado pela pesquisa de Nietzsche. Um texto que é bastante esclarecedor a esse respeito é um intitulado: Nietzsche, Freud, Marx, onde ele busca ver as novas técnicas de interpretação desses autores, assinalando que no século XIX volta-se a crer na possibilidade de uma linguagem que alcance um discurso mais essencial. Nesse momento é o homem que passa a ser objeto e desse modo sai de um espaço homogêneo de infinitas interpretações e cai numa heterogeneidade completa, infinita, porém dentro da finitude do próprio homem. Nietzsche, por exemplo crítica a profundidade da consciência, ela é uma invenção, uma máscara. A profundidade que se acreditava existir foi inventada era um jogo. Do mesmo modo Marx assinala que tudo o que é profundo na concessão que a burguesia se faz do dinheiro, do capital, etc., não é mais que superficialidade. Por fim para Freud a interpretação é construída na topologia da consciência. Segundo Foucault esses três pensadores demonstram uma modificação no espaço de repartição onde os signos se dão, modificam o modo pelo qual o signo é interpretado.
Os signos estão então dentro de uma rede inexaurível, infinita de aberturas irredutíveis, de modo que a interpretação é sempre incompleta. Desse modo quanto mais se adentra na interpretação mais se achega a região perigosa onde a interpretação encontra seu ponto de involução e o próprio interprete desaparece, ou seja, a existência do ponto absoluto, em direção ao qual a interpretação constantemente procede, comportaria a existência de um ponto de ruptura. Freud percebeu isso quando afirmou que há um momento que a interpretação deve parar em razão da transferência, que é a inesgotabilidade da análise em virtude do caráter infinito da relação entre analisador e analista. Para Nietzsche também a interpretação é sempre incompleta, filosofar é uma filologia sempre em suspenso e nunca se estabelece completamente. Pode ser da constituição de um fato alguém se destruir ao conhece-la inteiramente.
Aqui se liga outro problema que mais ainda nos desloca a incompletude, tudo já é interpretação, e mesmo os signos não são mais do que interpretações de outros signos.
Tanto Nietzsche como Freud e Marx interpretam não os signos, mas interpretações essenciais. Os signos passam a ser vistos como máscaras perdendo assim a sua essência simples de significante que tinha no renascimento. Nietzsche já nos mostra que as palavras não são mais do que interpretação, elas são inventadas pelas classes superiores, não significando algo prévio, mas impondo interpretação. E na interpretação o que se estabelece é uma relação de violência, interpretar é apoderar-se de uma interpretação já existente e revirá-la, subverte-la. Nesse sentido, para Nietzsche é o interprete que é verídico pois pronuncia a interpretação que toda verdade têm função de subverter. Seguindo essa linha Foucault mostra que há um primado da interpretação sobre os signos.
Então Foucault propõe, em oposição ao tempo dos signos, ao tempo linear e ao tempo da dialética o tempo circular da interpretação. A vida da interpretação é assim crer que não existe nada além da interpretação. De longe vemos de novo Nietzsche e seu eterno retorno do mesmo, e da inexistência total de qualquer absoluto, fato diretamente relacionado com a morte de Deus.

No Préface à la Transgression Foucault analisa as conseqüências da morte de Deus. Para ele todos os nossos gestos se dirigem a essa ausência. A ausência de Deus retira de nós o limite do ilimitado e nos leva a renunciar a tudo que se proclame exterior, e passamos assim ao ilimitado do limite, este infinito de nós mesmos. Desse modo, morto Deus resta ao homem traçar seus próprios limites, desenhar-se como limite. Resta apenas o interior e uma vontade de ir além transgredindo, num jogo de limites e transgressão por uma obstinação simples, ultrapassar, vencer. É necessário libertar-se dos limites da ética, libertar do que é subversivo, do que é negativo, contestar é ir ao coração vazio onde o ser têm o seu limite e onde o limite define o ser. Como Nietzsche ensinou é necessário substituir a experiência do divino no coração do pensamento. Segundo Foucault o pensamento de Nietzsche é uma crítica e uma ontologia que penetra na finitude do ser.
Para Foucault ao humanismo vai suceder uma cultura não dialética que está se formando desde Nietzsche quando ele mostrou que a morte de Deus leva ao desaparecimento do homem, logo deve-se descobrir a forma própria desse pensamento não dialético.
Deve-se agora atravessar o campo antropológico , abandonar seus fundamentos para reencontrar uma ontologia purificada, reintegrar assim os limites do pensamento e reatar com o projeto de crítica geral da razão. O escoar do devir será captado numa finitude antropológica que ai encontra em troca sua manifestação iluminada. A finitude se da no tempo e este é finito. Foucault sugere então um desenraizamento com a antropologia, considerando que o primeiro esforço nesse sentido foi feito por Nietzsche através da crítica filológica, ao reencontrar onde o homem e Deus pertencem um ao outro, e a morte de um representa também a do outro e a promessa do super homem. “Foi Nietzsche, em todo caso, que queimou para nós, e antes mesmo que tivéssemos nascido as promessas mescladas da dialética e da antropologia.”

[1] LEWIS, C. S., A Abolição do Homem, São Paulo: Martins Fontes, 2005.

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