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terça-feira, 17 de maio de 2011

Keith Jenkins em "A História Repensada"


Fichamento desenvolvido no primeiro semestre de 2006 para o curso Introdução aos Estudos Históricos ministrado pela professora Eliane Moura 

“Qual a situação da verdade nos discursos historiográficos?”[1] este é o tema central dessa obra de Keith Jenkins. O fato é que a historiografia moderna tem rejeitado todas as antigas verdades, (tais como o cristianismo ou o próprio marxismo) na produção historiográfica, isso levou a história a um impasse que dura desde o começo do século XX; e, de fato, ainda hoje existe pouco de concreto na teoria da história.
Não há como negar que muita coisa mudou desde a virada da Escola dos Annales com Marc Bloch e Lucien Febvre de lá pra cá os historiadores passaram a questionar o modo de produção historiográfica, seguiram-se vários outros como Jacques Le Goff e Paul Vayne. Mas, talvez, a maior transformação foi provocada fora da história, pelo filósofo Michel Foucault. Pouco se falou, até agora, das transformações ocorridas dentro da história nesses últimos trinta anos. Mesmo assim ainda há produções como as de Hayden White, Geoffrey Elton e Edward Carr, e é discutindo com estes autores que o inglês Keith Jenkins professor-adjunto na University College Chichester com seus livros “Repensando a História”(2001), ao lado de “What is History?”: from Carr and Elton to Rorty and White, entra como leitura obrigatória nos recentes debates de teoria e filosofia da história.
O livro tenta organizar de maneira simples todas as discussões que envolvem o debate histórico atual, de modo que os “estudantes que estão começando a empreender o estudo da questão: O que é a história?”[2] reflitam e tirem suas próprias conclusões.
A obra se divide em três curtos capítulos. O primeiro busca responder a pergunta que não quer calar: O que é a história? No qual Jenkins responde alterando o sentido da questão para: Pra quem é a história? O segundo capítulo se destina basicamente a explicitar em torno de quais questões giram os debates com referência à natureza da história. E o terceiro capítulo busca contextualizar a produção teórica atual dentro de uma problemática de toda a sociedade contemporânea.
No início do primeiro capítulo o autor aponta para a diferença entre passado e história. Passado se refere a tudo o que já aconteceu até o presente, e história é tudo o que já foi escrito ou registrado sobre o passado, logo, o passado é interpretado e transcrito através diferentes práticas discursivas que formam a história. Ora, se o passado já aconteceu, não se pode ter acesso a ele, mas sim ao que foi dito dele, a história não está presente no passado e sim nas bibliotecas, arquivos, museus, etc.
Segundo Jenkins nesse ponto se encontram vários problemas. Se a história é conhecida apenas pelos recursos discursivos de determinados narradores, então a história existente não nos remete aos eventos como realmente aconteceram, mas sim, conforme o ponto de vista do autor. Assim, todos os que tentarem restituir o passado com base naquela narrativa trarão uma versão diferente das existentes e assim sucessivamente. Mas onde Keith Jenkins trabalha seu raciocínio é mais além, nas diferentes leituras que se pode ter do mesmo livro. Como ele próprio diz: “[...] precisamos entender que o passado e a história não estão unidos um ao outro de tal modo que se possa ter uma, e apenas uma leitura de qualquer fenômeno; que o mesmo objeto de investigação é passível de diferentes interpretações por diferentes discursos; e que, até no âmbito de cada um desses discursos, há interpretações que variam e diferem no espaço e no tempo.”[3]
Chega-se facilmente a conclusão de que a história é infinita, pois as interpretações são infinitas. Observando o horizonte a partir de uma janela, diferentes pessoas terão diferentes interpretações do que vêem. Um geógrafo tratará a paisagem pelo clima, tipo de solo, topografia, já um histotiador buscará saber quais os fenômenos humanos já ocorreram naquele espaço, no passado; assim também um agrônomo, sociólogo e outros, de modo que as formas de interpretações e de discurso de uma simples paisagem são inúmeras.
É óbvio que esses problemas trazem conseqüências para a história, Jenkins enumera quatro aspectos de fragilidade epistemológica da história. A primeira é óbvia, estando no presente não há como o historiador recuperar a totalidade dos acontecimentos do passado. O segundo fator é um já abordado no começo do capítulo, não temos acesso ao passado e sim aos relatos que ele deixou. Logo, o passado está destinado a existir a partir da produção historiográfica, este é o terceiro fator. E por fim Jenkins dá uma conotação positiva desses aspectos. Diante de tamanha produção “nós, de certa maneira sabemos mais sobre o passado do que as pessoas que viveram lá.”[4]
A principio pode parecer bastante irônica essa afirmação, porém, para Jenkins não existe uma verdade histórica, nessa linha, não podemos descartar certa visão e admitir outra como verdadeira, apenas são diferentes formas de ver um mesmo evento; essa noção será mais bem trabalhada no segundo capítulo, mas está fortemente relacionada com o conceito das diferentes interpretações, pois “o que em última análise determina a interpretação está para além do método e das provas – está na ideologia”[5]. Assim é contraditório dizer que um método (marxismo, escola dos Annales, estruturalismo,...) chega numa verdade histórica se existem tantas maneiras de escrever a história e todas se consideram autênticas.
Mas, o que o Jenkins não nega é que existam fenômenos comuns em todos esses métodos, porém, esses não podem ser considerados universais do conhecimento histórico. Um desses conceitos que o autor usa para justificar suas afirmações são as relações de poder, sustentando que a criação desses diversos métodos de interpretação histórica são lutas ideológicas; como é no caso, a luta pela posse do que é a história.
Esse grande conflito pela posse da ideologia da história acontece, pois “[...] as pessoas do presente necessitam de antecedentes para localizarem-se no agora e legitimarem seu modo de vida atual e futuro”[6], ou seja, a cada vez mais as pessoas tem buscado se identificar e se justificar através do passado, exemplo disso são os homossexuais, as feministas e os negros.
“Ao fim a história é teoria e a teoria é ideologia, e a ideologia é pura e simplesmente interesse material”[7] (poder).
Após fazer toda essa análise teórica, Jenkins passa a revelar como esses fatores atuam na prática; o historiador ao produzir conhecimento está sujeito aos fenômenos descritos até aqui, ao lado de outras “coisas identificáveis”[8].
Os três primeiros fatores são os que os historiadores já carregam consigo, consciente ou inconscientemente, e derivam de seus valores, ideologias, e pressupostos epistemológicos. Pode-se dizer que são características atreladas à personalidade do historiador. Assim enquadra também o vocabulário, forma narrativa e o próprio procedimento ao lidar com o material. A partir disso o historiador começa a ter sua própria visão dos fatos, então vai à história (biblioteca) e passa “a organizar todos esses elementos de maneiras novas (e várias) sempre procurando a tão almejada tese original”[9]. Outro fator relevante é que o historiador não vive só, mas sofre influências cotidianas, tais como pressão familiar, do trabalho e da editora do livro.
Por fim, essa nova interpretação será lida de maneira diversa por diferentes pessoas ou por diferentes contextos de uma mesma pessoa “nenhuma das quais se repete de maneira idêntica”[10]. E o que impede que essas leituras sejam totalmente díspares, mas tenham um consenso geral é o poder vigente que acaba por globalizar certos conceitos.
Para o autor, entender como funciona o poder na prática é o meio para escapar do relativismo da teoria, pois passamos a entender porque certos relatos são dominantes e outros ficam a margem.
Jenkins fecha o capítulo resumindo todos os conceitos que já havia dito e faz uma breve definição do que é a história para ele, de modo que, se o leitor procurava um sentido para a história termina o primeiro capítulo mais cético ainda em encontrá-lo.
Feita toda essa análise várias outras questões se mantém suspensas, e no segundo capítulo Jenkins tenta expor, objetivamente, várias dessas questões. Contudo a tendência é deixá-las em aberto para que possamos concluir por nós mesmos. São ao todo sete questões que vão se fragmentando em outras na medida em que são abordadas.
A primeira se refere ao grande tema do livro, o conceito de verdade; essa idéia é fundamental para a compreensão das idéias de Keith Jenkins. O autor acredita que todas as verdades construídas ao longo do tempo são por influência dos poderes vigentes naquelas sociedades, logo, os princípios morais que possuímos não são universais, mas advém de influências culturais. Sendo assim, não existe uma verdade histórica na qual se objetiva chegar, pois as verdades fazem sentido a partir de conceitos pré-estabelecidos.
Isso nos leva a segunda questão: “Existe história objetiva?” A resposta a esta questão é dúbia, se pensarmos apenas em fatos históricos parece claro que sim, pois os fatos, na sua maioria, são indiscutíveis, mas a história moderna não se limita aos fatos, mas estabelece interpretações para ligar esses fatos da melhor maneira possível, e, se tratando de interpretações nenhuma é objetiva.
Ora, dentro de um debate historiográfico existem pessoas que se põe de um lado, outras de outro e outras ficam no centro das interpretações, para Jenkins nenhuma análise é objetiva, pois mesmo as pessoas que parecem estar no centro estão colocadas num espectro mais profundo do tempo e do espaço no qual não há centro.
A terceira questão que Jenkins levanta é em relação à parcialidade histórica, ele relaciona esse conceito justamente com a idéia da verdade histórica, pois parcial só faz sentido na medida em que se tem uma totalidade. O problema da parcialidade histórica se encontra na prática empiricista, a qual busca a objetividade. Sendo este método dominante em nossa formação social o problema se alarga de maneira indevida para todos os outros tipos de relatos históricos.
Outro debate atual gira em torno da empatia (nos colocarmos no lugar das pessoas do passado para entendê-las). Essa prática entrou em funcionamento justamente pela dificuldade epistemológica e metodológica da história em dar respostas objetivas aos eventos. Porém, o que Jenkins discuti é a possibilidade de praticar a empatia. Não é possível entrar na cabeça nem de pessoas próximas de nós, quanto mais em pessoas do passado; até porque estamos carregados de conceitos modernos, os quais eles não possuíam. A idéia de estudar as mentes das pessoas foi mais uma, dentre tantas tentativas de entender o passado.
A sugestão de Jenkins é que ao invés de tentarmos entrar na cabeça das pessoas do passado “seria mais construtivo tentar entrar na cabeça dos historiadores”[11] pois o que sabemos do passado provém da cabeça dos que escreveram sobre ele.
Essa idéia é bem explorada por Jenkins no tópico seguinte, onde é discutido a diferença entre fontes primárias e fontes secundárias. Nesse debate encontram-se duas linhas de raciocínio; de um lado Elton[12] que trabalha com discursos primários de modo a encontrar provas que evidenciem por si mesmas a verdade. Por outro lado Carr[13] diz que o historiador organiza os discursos; essas “provas” podem evidenciar uma história diferente conforme a organização do historiador. Jenkins acaba caindo pro lado de Carr, afirmando que “o domínio do passado sobre a história é, na realidade, o domínio do historiador sobre a história; o argumento de que o próprio passado, graças a alguma maneira pré-discursiva, muito literalmente não tem voz ativa.”.[14]
No sexto tópico Jenkins questiona os pareamentos, como causa e efeito, continuidade e mudança, semelhança e diferença. “Apesar de serem úteis em determinados discursos, estão muito longe de trazer uma explicação suficiente e necessária para o entendimento a história”.[15] De modo que as respostas às perguntas que temos provém do que outros historiadores já disseram sobre o assunto e não desses pareamentos. O que evidencia, mais uma vez, a ausência teórica da história, não existem fórmulas para o entendimento dela e sim outros discursos.
Por fim o autor resgata um debate já antigo: a história é ciência ou arte? Aqui o Jenkins se limita a dizer que o debate é ultrapassado, mas há uma resposta nas páginas seguintes do livro, onde Jenkins diz que “a história não é arte nem ciência, mas uma coisa diferente”[16] e considera essa discussão apenas mais um debate de poder da ideologia da história.
No final do capítulo Jenkins conclui seu raciocínio admitindo que suas idéias não estão fora do jogo de forças, pressões e influências; ao contrário estão diretamente relacionadas com as tendências pós-modernistas.
O terceiro capítulo descreve as transformações históricas que possibilitaram a queda do conceito de verdade, e contextualiza a ideologia histórica atual num plano mais amplo de toda sociedade contemporânea.
Os pós-modernistas consideram que nada é fixo ou sólido, eles chamam as verdades de centros (eurocentrismo, etnocentrismo...) sendo todas essas antigas verdades decorrentes de determinados períodos e não verdades absolutas. Para eles consciência desse conceito foi possível graças à ascendência da burguesia, pois, essa classe começou a valorizar ideologias diferentes que quebraram a hierarquização tradicional da sociedade, como nobreza, raça, sangue, etc. A partir desse momento se tornou mais
suscetível a mobilidade social.
Após diversos confrontos com o socialismo a burguesia tendeu a valorizar o consumidor e trouxe assim “para o primeiro plano o relativismo e o pragmatismo”.[17]
Esse mesmo relativismo veio a afetar a situação de diversas disciplinas e deram à possibilidade de questionar as práticas epistemológicas e metodológicas. O campo da história foi um dos mais afetados com o questionamento da antiga forma de produção. Tudo isso gerou uma ampliação para uma nova massa de gêneros históricos. Até porque, segundo a visão do autor, basta reorganizar as fontes da maneira que convém e teremos uma história totalmente diferente.
E esse é o motivo de Jenkins achar mais útil estudar a historiografia ao invés do passado, se toda produção histórica foi feita com fins específicos e influenciada por poderes, cabe ao historiador entender essas relações.
Para mim, o livro de Jenkins pode até ser aceito por algum período, mas um dia será refutado. Observando as produções historiográficas notei que elas sempre apóiam uma idéia vigente, que após um tempo é refutada, assim foi com Platão, com os positivistas, com Marx, dentre outros. Se eu afirmar que a historiografia contemporânea é a definitiva estaria fadado a ser negado num futuro. E como todas as outras filosofias de história ela tende a ser refutada. O fato de convivermos com determinada teoria faz com que as aceitemos, pois não temos em mãos a refutação que virá, ou que já existe como nesse trecho da resenha de Nildo Viana.
“O pequeno livro de Jenkins é muito fraco, mesmo sendo um livro introdutório para estudantes, pois além das lacunas e falta de fundamentação de grande parte do que foi afirmado, o texto simplesmente não diz nada de realmente significativo e não consegue fazer uma verdadeira introdução à historiografia. Mas livros fracos existem aos montes nas livrarias, sendo sua maioria absoluta.”[18]
O livro de Jenkins passa assim a ser contraditório, pois se a verdade não existe nenhuma teoria tem base para afirmar algo. As teorias da história tendem a ser errantes e nunca encontrar uma definição para a história.
Do mais, a principal contribuição de Jenkins foi incrementar como centro das produções as influências de poder que variam conforme o tempo e com elas as suas verdades. Confronta a ilusão de muitos em reconstruir o passado como realmente aconteceu, pois as fontes que temos não passam de interpretações dos eventos. E sua proposta diante desses grandes problemas insolucionáveis da história é esquecer a busca das verdades históricas, e nos limitarmos a fazer uma relação entre historiadores e poder no passado.

[1] Todas as citações nesse fichamento estão no livro:
JENKINS, Keith. A História Repensada, São Paulo, Editora Contexto, 3ª Edição, 2005, pp. 53[2] pp. 17[3] Pp. 27[4] Pp. 34[5] Pp. 36[6] Pp. 41[7] Pp. 43[8] Pp. 45[9] Pp.46[10] Pp. 49[11] Pp. 78[12] G. Elton, The practice of history, London, Fontana, 1969, p. 70, 112-113[13] E. H. Carr, O que é a História?, Gradiva, 1986[14] Pp. 82[15] Pp. 85[16] Pp. 90[17] Pp. 97[18] http://www.cefetgo.br/cienciashumanas/humanidades_foco/pdf/res_Keith_Jenkins.pdf

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