Antes de adentrarmos propriamente dito nos episódios mais sangrentos da história do Rio Grande do Norte, devemos saber os pormenores das invasões Holandesas no nordeste do Brasil e suas motivações econômicas e politicas que culminou no domínio holandês entre 1630-1654. Neste período dar-se-á a união ibérica onde Felipe II da Espanha unifica as coroas Espanholas e Portuguesas e consequentemente suas colônias, consolidando o antigo desejo espanhol desde a idade média.
“Portugal sairia arruinado da dominação espanhola, a sua marinha destruída, o seu império colonial esfacelado. Os Países-Baixos e a Inglaterra, com que a Espanha estivera em luta quase permanente, ocuparão, para não mais a devolver, boa parte das possessões portuguesas.” (Prado Junior 2004) [1]
A região dos países baixos era de domínio espanhol e começara sua luta de desmembramento em 1581-1640. Essas rivalidades fizeram com que a Espanha bloqueasse o comercio holandês com Brasil, seus investimentos se esvaneciam sem as matérias primas da cana-de-açúcar, que era produto exclusivo holandês em seu refino e distribuição nas feiras europeias. Os embargos espanhóis fizeram com que os burgueses holandeses fundassem a Companhia das Índias orientais em 1602, e em 1621 a companhia das Índias Ocidentais. ao qual seria uma reação ao embargo espanhol buscando nas origens as matérias primas e consequentemente explorando e dominando o nordeste brasileiro transformando-o em uma colônia holandesa. Também não podemos deixar de expor aqui as principais questões do período na Europa, grandes conflitos e movimentos que balançaram e derrubaram o antigo regime e suas estruturas arcaicas, como também mais um cisma na cristandade e agora no coração da Europa ocidental berço do catolicismo romano, dividiu a Europa entre países católicos e protestantes, com sangrentos massacres de ambas as partes e esses resquícios também foi transportados para as colônias europeias. Os países baixos aderiram à reforma protestante enquanto os países ibéricos com a contra reforma. Neste contexto da reforma protestante e união ibérica se deram os massacres de Cunhaú e Uruaçu, com panos de fundo, políticos, econômicos e religiosos que iremos discorrer.
Composta essa pequena introdução para melhor entendermos o contexto do domínio holandês do nordeste brasileiro e em especial ênfase dada ao recorte regional da capitania do Rio Grande no qual ocorreram os massacres passaremos aos episódios dos massacres. Como foi mencionada acima a principal motivação das invasões holandesas no Brasil foi sem dúvidas a questão econômica, não havia pelas leituras feitas na historiografia referentes ao domínio holandês essas motivações religiosas embora se ache algumas evidencias principalmente na capitania de Pernambuco em que foi fixada a sede do governo holandês em Recife pelo Conde João Mauricio de Nassau.
“Existia outra especificidade na administração de Nassau: ele atendia pessoalmente todos os que tinham queixas, não se importando se este era pobre ou rico, isto caracterizou o seu governo como sendo de extrema tolerância com os luso-brasileiros e católicos mesmo sendo Calvinista.” (D. da Silva)[2]
Estabelecido o governo do Conde Nassau a politica adotada foi a de reconstrução e domínio dos engenhos destruídos pela luta de resistência holandesa, o conde Nassau concede empréstimos e uma politica amistosa entre os colonos que não resistissem à ocupação. Embora protestante como foi dito acima ele era amante da liberdade religiosa, com isso podemos ver que não estavam aqui para propagar sua religião, embora se ache em Pernambuco missões protestantes na historiografia. E meu intuito é mesmo mostrar que a versão oficial e bastante explorada pela Igreja Católica Romana, carecem de argumentação histórica concisa nos massacres de Cunhaú e Uruaçu. Podemos perceber até mesmo pelo próprio contexto dos acontecimentos os princípios das motivações dos massacres por lado os holandeses, e já pelo lado das tribos indígenas Tapuias também se foi de forma vingativa e proteção territorial, pois os holandeses eram menos hostis não ocupando seus territórios no interior da capitania, e sem falar na politica de cooperação implantada pelos holandeses principalmente por Jacob Rabbi, em contraposição a politica de cativeiro e expulsão dos nativos praticada pelos portugueses.
“Esses eventos têm sido explorados recentemente pela Igreja local em prol da beatificação e canonização dos mortos brancos no episódio que tomou proporções grandiosas. Pela violência com que se dava a ocupação holandesa criou-se uma imagem bastante negativa e até mesmo mística dos holandeses no Rio Grande.” (Araújo Silva) [3]
A formação desse discurso elitista que encontramos em todas as fontes que se refere aos massacres, mostrando os indígenas como verdadeiros bárbaros e os holandeses hereges protestantes enquanto os católicos tementes a Deus ao ponto de renunciarem a vida pela fé católica. A atribuição de milagres e pragas também é bastante comum nesses discursos, que Medeiros filho relata dentre suas fontes principalmente no massacre de Uruaçu. E Úrsula Andréia vai nos trazer a reflexão quais eram os reais objetivos desses discursos na população local e na atualidade com a beatificação dos mortos nos eventos, ela nos leva para os eventos com um olhar da identidade do discurso com as seguintes perguntas:
“Será que podemos atribuir somente a eles à responsabilidade do ocorrido? Será que esse evento não era comum em tempos de guerra? Quem é beneficiado com a propagação desse discurso?” (Araújo Silva)[4]
Em 16 de Julho de 1645 ocorreu o massacre de Cunhaú, ao qual em seu contexto se encontra a insurreição pernambucana contra o domínio holandês, temendo o levante na capitania do Rio Grande Jacob Rabbi e uma tropa de Tapuias, potiguaras e holandesas chegam ao engenho de Cunhaú conforme registra frei Raphael de Jesus e outras fontes citadas por [5]Medeiros Filho. Segundo o mesmo autor ordens de Recife teriam sido enviadas para matarem todos os moradores do engenho. Como essa noticia chegou tão rápido a historiografia não tem uma resposta clara, contudo seguindo na leitura de Medeiros Filho conforme suas fontes que os Tapuias foram informados através de pajelanças sobre a revolta portuguesa em Pernambuco e sabendo disso deram inicio ao massacre. Sobre a data do massacre há varias versões de distintos dias, uns datam de 15 de Julho para a chegada de Jacob Rabbi ao engenho, outros 29 de Junho e 16 de julho que é a versão do frei Raphael de Jesus. Jacob Rabbi conforme o relato manda mensagem de missão pacifica convocando todos a se reunirem para tratar de assuntos de importância para a comunidade no dia seguinte e pregou u edito na porta da capela assinado pelo governo holandês de Recife. Nem todos os moradores entraram na capela e permitiu o oficio da missa. Após a missa enfrente a capela conforme narrado pelo frei Manuel Calado começaram o massacre pelos ferozes indígenas. Outra versão do frei Raphael de Jesus eles entraram na igreja e começaram o massacre. Pelas narrativas de Medeiros Filho, não há uma clara evidencia de motivação religiosa, contudo temos que ter cautela em afirmamos qualquer coisa afim de não cairmos em anacronismo. No que pude compreender é que partiu do indígenas a ofensiva com a conivência de Jacob Rabbi e a motivação real foi à luta por sobrevivência e contra a politica ofensiva portuguesa de cativeiro e sentimentos de vingança. Isso é claro que ao saberem do massacre o conselho de Recife mandou reforço para a capitania do Rio Grande temendo represaria da população. E em represaria conforme o texto de Medeiros Filho o governador João Fernandes Viera mandou que fosse feito vingança de forma exemplar enviando tropas para combater os Tapuias e holandeses. Segundo o mesmo autor o massacre de Cunhaú promoveu uma maior consciência da população luso-brasileira ao combaterem os invasores holandeses.
Em 3 de Outubro de 1645 acontece o massacre do porto de Uruaçu, O massacre de Uruaçu possui varias versões, mas irei destacar apenas duas para as motivações do massacre, e lendo Medeiros Filho se observa que as versões que são muito parecidas, a primeira versão nos diz que onde fica a atual São Gonçalo do Amarante, existia um engenho e conforme os registros, esse povoado pertencia a Estevão Machado de Miranda, cuja família, bem como os habitantes do povoado, resistia ao domínio holandês. Essa primeira versão coloca o massacre como imposição militar e motivação religiosa e com a resistência ocorreu o massacre que resultou na morte de cerca de 70 famílias. Mas é de estranhar que na capitania do Rio Grande não existem registros de missões protestantes e outro fator importante para contrapor essa primeira versão são as presenças de grupos nativos de diferentes etnias e pelas leituras feitas não mencionam que se converteram ao protestantismo.
A segunda versão de 16 de Julho de 1645 diz que o padre André de Soveral e outros 70 fiéis católicos foram cruelmente mortos por centenas de soldados holandeses e índios potiguares. Os fiéis participavam da missa dominical na Capela de Nossa Senhora das Candeias, no Engenho Cunhaú, município de Canguaretama, no litoral sul potiguar. Os holandeses eram calvinistas e teriam promovido o massacre por intolerância ao catolicismo. E que três meses depois acontece o segundo massacre em Urauçu com aproximadamente 80 mortos em 3 de outubro de 1645. Como já foi mencionado há varias versões e um discurso bastante explorado para dar ênfase à elite, contudo pude observar na minha leitura que se é que se pode determinar motivação religiosa nesses massacres ocorridos em Cunhaú e Uruaçu, principalmente em Uruaçu se tem mais evidencias de resquícios de motivações da religião no massacre. Em ambos os massacres podemos observar que em tempos de guerra eram bastante comuns tanto por parte dos portugueses nas aldeias indígenas, quanto dos indígenas que atacavam os portugueses, mas, contudo na historia desses massacres entra um elemento novo, o invasor batavo que era protestante e a partir desse elemento se formar o discurso dos mártires com toda a mística. Vale salientar que a vasta literatura produzida pelos religiosos tem influenciado na maneira que as pessoas interpretam os acontecimentos dos massacres e é essa versão que quero contrapor em texto. Galhardo nos afirma que essa criação de uma identidade nas personagens do mito dos mártires associando aos índios toda culpa do massacre, não levando em conta as motivações que levaram a agir com tamanha violência e como não há documentação produzida pelos indígenas fica nas mãos da documentação produzida pelo português que irá fortalecer e estigmatizar a figura do índio.
“Transmitindo simbolicamente a violência do índio contra um padre, estando o religioso associado á bondade, ao martírio, quanto o indígena representa o carrasco o bárbaro.” (Galhardo)[6]
No decorrer da minha pesquisa pude descobrir os pormenores desses acontecimentos marcados pela violência e pela mística religiosa presente nos discursos criados pelos portugueses e como também das crônicas holandesas. O massacre que relata mais proximidade com a motivação religiosa sem dúvida é o de Uruaçu, mas mesmo assim não podemos ter uma generalização, pois se fizermos isso com certeza iremos cair em anacronismo, pois as fontes só tem um olhar sobre os acontecimentos o olhar elitizado do português, e sendo assim ainda será objeto de grandes estudos historiográficos.
ELSON CASSIANO
GRADUANDO 5º PERIODO
HISTORIA UERN
[1] Prado Junior, Caio. História econômica do Brasil. Brasiliense, São Paulo 2004.
[2] D. da Silva, Thiago. http://seguindopassoshistoria.blogspot.com/2010/03/conde-mauricio-de-nassau.html
[5] Filho, Olavo de Medeiros. Os Holandeses na capitania do Rio grande, pág.105.
[6] Aguires Galhardo, Jussara. Caminhos e descaminhos da identidade indígena no Rio Grande do Norte – Recife 2007.
Um comentário:
Parabens pelo post.
Muito bem articulado amigo.
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http://joaobosco.wordpress.com/category/artigos/feriados-religiosos-artigos/martires-do-brasil-uruacu-e-cunhaurn/
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