Antes de adentrarmos profundamente no
âmbito do orientalismo, temos que discorrer conceitualmente sobre “Ocidente” e
“Oriente”, como também das ideias de “Superior” e “Inferior”, e para tal
passaremos a analisar a formação desses discursos no espaço temporal em que a
Europa passava a se identificar como civilização que se destacava perante as
outras.
Podemos perceber esse fenômeno da
identidade civilizatória, no classicismo helênico do qual de maneira
depreciativa denominavam todos os povos que não possuíssem a cultura e a língua
grega como “bárbaros” e fazendo isso afirmava sua supremacia perante outros
povos. Caminho esse seguido pelos romanos com seu colossal império. Sem medo de
cometer anacronismo podemos observar essa necessidade de supremacia europeia
ocidental já em tempos antigos, que deu as bases para o discurso de uma identidade
superior. Said nos diz que
“O Orientalismo
nunca está muito longe do que Denys Hay chama ‘a ideia de Europa’, uma noção
coletiva que identifica a ‘nós’ europeus contra todos ‘aqueles’ não europeus, e
pode-se argumentar que o principal componente da cultura europeia é
precisamente o que tornou hegemônica essa cultura, dentro e fora da Europa: a
ideia de uma identidade europeia superior a todos os povos e culturas não
europeus.” (SAID, p. 34).
Podemos observar a partir desses dados,
“o nascimento de um sentimento comum de uma denominação do outro como um ser
diferente e inferior.” (RICOY, 2009)[1]. É
importante frisar esses termos, pois, são importantes para compreensão da
problemática de Said sobre o Orientalismo como uma invenção do Ocidente.
Dados os elementos que compõe o
“Orientalismo” titulo da obra de Said, podemos discutir dialeticamente a
construção do Ocidente e do Oriente. Então o que seria o Oriente? E quais duas
relações discursivas com o Ocidente? Essas são indagações que norteia a obra
“Orientalismo” de Edward Said, ele irá analisar no decorrer de sua obra a
temática do orientalismo, de maneira vasta e expressiva, se compondo de uma
tentativa de encarar o Oriente pela percepção de um oriental ocidentalizado.
Para justificar a colonização e dominação
dos povos orientais, em seus discursos Balfour salienta que “A Inglaterra
exporta o melhor de nós para esses países”. (pág.44). No caso do Egito, a
Inglaterra conhece-o, e o Egito é o que a Inglaterra conhece sobre ele, e se
ele conhece, sabe o que é melhor para os egípcios, que para o governo
britânico, não podia haver um governo genuinamente e legitimamente egípcio, e
assim justificando a ocupação estrangeira britânica e para assim implantar os
moldes da civilização ocidental no Egito moderno.
“Balfour pode
falar também pelo mundo civilizado, o Ocidente, e pelo pequeno corpo de
funcionários coloniais no Egito. Se não fala diretamente pelos Orientais, é
porque, afinal de contas, eles falam outra língua; mas ele sabe como eles se
sentem, visto que conhece a historia deles, a confiança que depositam em
pessoas como ele e as suas expectativas.” (SAID pág.45)
“Balfour tinha
perfeita consciência de quanto direito tinha de falar, como um membro do
parlamento de seu país, era em nome da Inglaterra, do Ocidente, da civilização
ocidental, sobre o Egito moderno. Pois o Egito não era apenas mais uma colônia:
era a legitimação do imperialismo ocidental; até a sua anexação pela Inglaterra,
era um exemplo quase académico do atraso oriental; deveria tornar-se o triunfo
do conhecimento e do poder britânicos.” (SAID, pág. 45)
Ambas as citações de Said nos mostra a
visão e justificação europeia ocidental para a dominação dos povos Orientais, e
mostra os conceitos de raça superior que sobressai sobre a raça inferior,
dominadores e dominados dentro das teias dessas relações. A dominação do Egito
era muito mais do que uma anexação territorial, era um exemplo empírico do
atraso oriental, assim legitimando seu discurso de forma lógica que se tornará
triunfante esse conhecimento, e mostrará o poder da civilização ocidental. Com
a invasão britânica do Egito 1907, a administração britânica deu muito certo, e
a teoria da civilização ocidental se mostrava prática. Tudo funcionava
categoricamente em perfeita harmonia, assim descreve Said,
“Há ocidentais e
há orientais. Os primeiros dominam; os segundos devem ser dominados, o que
costuma querer dizer que suas terras devem ser ocupadas, seus assuntos internos
rigidamente controlados, seu sangue e seu tesouro postos a disposição de urna
ou outra potencia ocidental.” (SAID, pág.46)
Com essa concepção reduz a humanidade a
essências culturais e raciais, de modo cruel, que estavam além da depravação
deles. Era uma doutrina geral que passou por um processo dinâmico que agora
estava posto usualmente de modo eficiente e eficaz. Ai vem o conhecimento que
os Ocidentais têm sobre os Orientais, fazendo com que sua dominação e
administração se façam de maneira fácil e proveitosa. Balfour irá dizer que “o
conhecimento confere poder, mais poder requer mais conhecimento, e assim por
diante em urna dialética crescentemente lucrativa de informação e controle.”
(SAID, pág.46).
Essa solida união entre a raça submetida
e a dominadora, conquistada através do poderio imperial, por trás da ação
pacificadora há uma dominação ordeira, que unem governantes e governados. Vamos
ver o que o discurso ocidental mostra ideologicamente, sobre a dominação
Oriental,
“As raças
submetidas simplesmente não tinham o que era preciso para saber o que era boro
para elas. A maior parte delas eram orientais, de cujas características Cromer
tinha bastante conhecimento, posto que tivera experiência coro elas tanto na
Índia como no Egito.” (SAID, pág.48)
Cromer e Balfour
herdara um século de orientalismo ocidental moderno, conhecer sua historia,
costumes, culturas e tradições era imprescindível para se conseguir uma
dominação eficaz e segundo o autor Cromer “acreditava tê-lo utilizado ao
governar o Egito.” (pág.48). E assim alavancara a supremacia racial e racional
do europeu ocidental, fazendo uma analise antropológica dos povos Orientais,
depreciando suas características típicas,
“O europeu é um
raciocinador conciso; suas declarações de fato são desprovidas de qualquer
ambiguidade; ele é um lógico natural, mesmo que não tenha estudado lógica; é
por natureza cético e requer provas antes de aceitar a verdade de qualquer
proposição: sua inteligência treinada trabalha como a peca de um mecanismo. A
mente do oriental, por outro lado, assim como suas pitorescas ruas, é
eminentemente carente de simetria.” (SAID, pág.48)
Tratando os Orientais
como meros materiais humanos que estavam no mundo para serem governados, assim
Cromer tinha sua compreensão dos povos orientais que governara. Baseado em
teóricos orientalistas, Cromer utiliza-os para explicar por que os orientais
são e como são. Energicamente ele discursa sobre a inferioridade cultural,
intelectual e tecnológica dos orientais, como se fora num tribunal considera o
oriental culpado pelo crime de ser oriental, sendo assim para Cromer,
“qualquer desvio
do que se acreditava ser a norma do comportamento oriental era considerado
antinatural; o último relatório anual de Cromer sobre o Egito, por conseguinte,
proclamou ser o nacionalismo egípcio uma ideia inteiramente nova" e
"urna planta de raízes antes exóticas que indígenas.” (SAID, pág.48)
Neste contexto dizer
que o “orientalismo era uma racionalização da dominação colonial” é um tanto
mostrar ignorância a expansão em que esse domínio era justificado pelo
orientalismo. De acordo com Macedo (2006) “Said acredita que o século XVIII
seja o lugar privilegiado para que as ideias sobre o Oriente viessem à tona e
ganhassem nova roupagem sob o signo da filologia e de outras disciplinas do
conhecimento”. Said nos diz que “Os homens sempre dividiram o mundo em regiões cujas
distinções entre si eram reais ou imaginadas. A demarcação absoluta entre o
Leste e o Oeste, que Balfour e Cromer aceitam com tanta complacência. tinha
demorado anos. até séculos, para ser feita.” Teve vários descobrimentos
proporcionados pelas guerras e pelo comércio em expansão no século XVIII que o
autor nos dirá que tem dois elementos principais nessa relação Leste e o Oeste.
O primeiro é o crescente conhecimento sistemático que a Europa adquiriu sobre o
Oriente, e que foi ampliado quando houve o encontro colonizador e que segundo o
autor, “a esse conhecimento foi acrescentado um considerável corpo de literatura
produzida por romancistas, poetas, tradutores e viajantes talentosos.” (Said,
pág.50), o outro elemento sem dúvidas fora a força de dominação, Said nos
mostra que era a relação do forte (Ocidente) com o fraco (Oriente), do qual
poderia ser suavizada pelo discurso de Cromer reconhecendo a grandeza da
civilização Oriental.
Entretanto esse
relacionamento essencial era considerado como sendo um relacionamento de um
parceiro forte (Ocidente) e um parceiro fraco (Oriente). Said descreve como o
oriental é visto em detrimento ao ocidental, “O oriental é irracional,
depravado (caído), infantil, "diferente";” Já o europeu ocidental era
visto “desse modo, o europeu é racional, virtuoso, maduro, "normal"“.
De acordo o autor esses dois aspectos do relacionamento cultural discutido, são
unidos, “O conhecimento do Oriente, posto que gerado da forca, em um certo
sentido cria o Oriente, o oriental e seu mundo”. (SAID, pág.50) o autor nos
leva para a problemática da força cultural ao qual afirma que não é uma coisa
fácil de discutir, todavia, sua investigação tem o objetivo de analisar e
refletir sobre um exercício de forca cultural. Segundo Said entre os séculos
XIX e XX tudo que estive no Oriente era tido como inferior ao Ocidente. E dai
se tem essa visão e conceituação do Oriente delimitado as salas de aulas, sendo
julgado como num tribunal, ou como uma enciclopédia ou manual ilustrado, assim
Said nos mostra o conceito de orientalismo nesse período, “O orientalismo,
portanto, é um conhecimento do Oriente que põe as coisas orientais na aula, no
tribunal, prisão ou manual para ser examinado, estudado, julgado, disciplinado
ou governado”. (SAID, pág.51) O Orientalismo é visto como o modo dos Ocidentais
pensarem e estudarem o Oriente, como um conjunto de categorias e valores
baseados nas necessidades políticas e sociais do Ocidente em detrimento das
realidades concretas do Oriente. Assim define KEMNITZ 2009,
Dentre as várias
definições do “Orientalismo” apresentadas pelo autor: “uma tradição clássica de
estudo”; “o modo de encarar o Oriente”; “o modo ocidental de dominar,
reestruturar e exercer o poder sobre o Oriente”; “um conjunto de ideias
circunscritas a valores, apresentados de modo generalizado, mentalidade,
características do Oriente”; “uma instituição corporativa de conhecimento
responsável pelo perpetuar dos estereótipos”; “um arquestilo de pensamento
assente numa distinção ontológica entre o Oriente e o Ocidente” e “o sistema de
representação do Oriente patente na ciência, consciência e nas políticas do
império”, estas duas últimas tiveram maior relevância. Resultou daí uma análise
de como uma cultura dominante se apodera da outra, a desfigura e assimila, ou
por outras palavras, como um vocabulário e um imaginário próprios são aplicados
por Ocidentais para observar e descrever o Oriente e, nesta base, estruturar a
percepção, o conhecimento coletivamente suportado pelas instituições e por elas
transmitido. (KEMNITZ 2009)[2]
Nos séculos XIX e XX o
orientalismo reforçava e era reforçado por um conhecimento seguro que a Europa
tinha, dominando vastos territórios. Said nos diz que
“O período de
imenso avance das instituições e do conteúdo do orientalismo coincidiu
exatamente com o período de inigualável expansão da Europa; ' de 1815 a 1914, o
domínio colonial direto europeu cresceu de cerca de 35% para cerca de 85% de
toda a superfície da terra.' Todos os continentes foram afetados, nenhum mais
que a África e a Ásia.” (SAID, pág.51)
O que os ocidentais partilharam,
todavia, não foi apenas a terra, o lucro da exploração e domínio, foi muito
mais, foi o que Said chamou de poder intelectual denominado de orientalismo.
Orientalismo no ponto
de vista do autor assume-se como uma crítica incisiva do fenómeno do
Orientalismo. Com efeito, Said construiu um corpus constituído pelos escritos
de intelectuais, literatos, governantes e políticos ingleses e franceses,
emissários das duas principais potências que ocuparam e colonizaram o Oriente
na época moderna, acrescendo ainda os testemunhos americanos em virtude de os
Estados Unidos terem entrado na disputa ocidental sobre o Oriente, há pouco
tempo.
Assim
concluímos no que Macedo 2009 conceituando na obra de Edward Said sobre o
“Orientalismo”, definindo “Assim, podemos definir o Oriente, indo além da mera
amarração a critérios de ordem geográfica, como uma construção ocidental,
baseada em estereótipos reducionistas (o oriental é sensual, vícios o,
tirânico, retrógrado e preguiçoso) para construir uma cultura homogênea
passível de ser dominada, em nome de um Ocidente também idealizado.” (MACEDO,
2006, pág. 9)[3].
Por Elson Cassiano
Historiador/UERN
[1] RICOY, Diego. Orientalismo -
Oriente como Invenção do Ocidente - Edward Said - Análise - Estudo
Oriente e Ocidente: uma construção ideológica. Blog:
Historia em movimento, Postado em: quarta-feira, 16 de setembro de 2009,
Disponível em: http://diegoricoy.blogspot.com.br/2009/09/orientalismo-ocidente-oriente-edward.html. Acessado em: 11/02/13
[2] KEMNITZ, Eva-Maria Von. O
ORIENTALISMO NA PERSPECTIVA DE EDWARD SAÏD, [Intervenção no Colóquio sobre a
Vida, Pensamento e Obra de Edward Said, organizado pelo MPPM no âmbito da
Segunda Semana da Palestina e realizado no ISCTE em 26 de Novembro de 2009]
[3]
MACEDO, Helder Alexandre
Medeiros de. ORIENTE, OCIDENTE E
OCIDENTALIZAÇÃO: DISCUTINDO CONCEITOS, Revista da Faculdade do Seridó, v.1, n.
0, jan./jun.2006 disponível em: http://www.faculdadedoserido.com.br/revista/v1_n0/helder_alexandre_medeiros_de_macedo.pdf
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