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sábado, 23 de fevereiro de 2013

O Oriente como invenção do Ocidente




Antes de adentrarmos profundamente no âmbito do orientalismo, temos que discorrer conceitualmente sobre “Ocidente” e “Oriente”, como também das ideias de “Superior” e “Inferior”, e para tal passaremos a analisar a formação desses discursos no espaço temporal em que a Europa passava a se identificar como civilização que se destacava perante as outras.
Podemos perceber esse fenômeno da identidade civilizatória, no classicismo helênico do qual de maneira depreciativa denominavam todos os povos que não possuíssem a cultura e a língua grega como “bárbaros” e fazendo isso afirmava sua supremacia perante outros povos. Caminho esse seguido pelos romanos com seu colossal império. Sem medo de cometer anacronismo podemos observar essa necessidade de supremacia europeia ocidental já em tempos antigos, que deu as bases para o discurso de uma identidade superior. Said nos diz que

“O Orientalismo nunca está muito longe do que Denys Hay chama ‘a ideia de Europa’, uma noção coletiva que identifica a ‘nós’ europeus contra todos ‘aqueles’ não europeus, e pode-se argumentar que o principal componente da cultura europeia é precisamente o que tornou hegemônica essa cultura, dentro e fora da Europa: a ideia de uma identidade europeia superior a todos os povos e culturas não europeus.” (SAID, p. 34).

Podemos observar a partir desses dados, “o nascimento de um sentimento comum de uma denominação do outro como um ser diferente e inferior.” (RICOY, 2009)[1]. É importante frisar esses termos, pois, são importantes para compreensão da problemática de Said sobre o Orientalismo como uma invenção do Ocidente.
Dados os elementos que compõe o “Orientalismo” titulo da obra de Said, podemos discutir dialeticamente a construção do Ocidente e do Oriente. Então o que seria o Oriente? E quais duas relações discursivas com o Ocidente? Essas são indagações que norteia a obra “Orientalismo” de Edward Said, ele irá analisar no decorrer de sua obra a temática do orientalismo, de maneira vasta e expressiva, se compondo de uma tentativa de encarar o Oriente pela percepção de um oriental ocidentalizado.
Para justificar a colonização e dominação dos povos orientais, em seus discursos Balfour salienta que “A Inglaterra exporta o melhor de nós para esses países”. (pág.44). No caso do Egito, a Inglaterra conhece-o, e o Egito é o que a Inglaterra conhece sobre ele, e se ele conhece, sabe o que é melhor para os egípcios, que para o governo britânico, não podia haver um governo genuinamente e legitimamente egípcio, e assim justificando a ocupação estrangeira britânica e para assim implantar os moldes da civilização ocidental no Egito moderno.

“Balfour pode falar também pelo mundo civilizado, o Ocidente, e pelo pequeno corpo de funcionários coloniais no Egito. Se não fala diretamente pelos Orientais, é porque, afinal de contas, eles falam outra língua; mas ele sabe como eles se sentem, visto que conhece a historia deles, a confiança que depositam em pessoas como ele e as suas expectativas.” (SAID pág.45)

“Balfour tinha perfeita consciência de quanto direito tinha de falar, como um membro do parlamento de seu país, era em nome da Inglaterra, do Ocidente, da civilização ocidental, sobre o Egito moderno. Pois o Egito não era apenas mais uma colônia: era a legitimação do imperialismo ocidental; até a sua anexação pela Inglaterra, era um exemplo quase académico do atraso oriental; deveria tornar-se o triunfo do conhecimento e do poder britânicos.” (SAID, pág. 45)


Ambas as citações de Said nos mostra a visão e justificação europeia ocidental para a dominação dos povos Orientais, e mostra os conceitos de raça superior que sobressai sobre a raça inferior, dominadores e dominados dentro das teias dessas relações. A dominação do Egito era muito mais do que uma anexação territorial, era um exemplo empírico do atraso oriental, assim legitimando seu discurso de forma lógica que se tornará triunfante esse conhecimento, e mostrará o poder da civilização ocidental. Com a invasão britânica do Egito 1907, a administração britânica deu muito certo, e a teoria da civilização ocidental se mostrava prática. Tudo funcionava categoricamente em perfeita harmonia, assim descreve Said,

“Há ocidentais e há orientais. Os primeiros dominam; os segundos devem ser dominados, o que costuma querer dizer que suas terras devem ser ocupadas, seus assuntos internos rigidamente controlados, seu sangue e seu tesouro postos a disposição de urna ou outra potencia ocidental.” (SAID, pág.46)

Com essa concepção reduz a humanidade a essências culturais e raciais, de modo cruel, que estavam além da depravação deles. Era uma doutrina geral que passou por um processo dinâmico que agora estava posto usualmente de modo eficiente e eficaz. Ai vem o conhecimento que os Ocidentais têm sobre os Orientais, fazendo com que sua dominação e administração se façam de maneira fácil e proveitosa. Balfour irá dizer que “o conhecimento confere poder, mais poder requer mais conhecimento, e assim por diante em urna dialética crescentemente lucrativa de informação e controle.” (SAID, pág.46).
Essa solida união entre a raça submetida e a dominadora, conquistada através do poderio imperial, por trás da ação pacificadora há uma dominação ordeira, que unem governantes e governados. Vamos ver o que o discurso ocidental mostra ideologicamente, sobre a dominação Oriental,

“As raças submetidas simplesmente não tinham o que era preciso para saber o que era boro para elas. A maior parte delas eram orientais, de cujas características Cromer tinha bastante conhecimento, posto que tivera experiência coro elas tanto na Índia como no Egito.” (SAID, pág.48)


Cromer e Balfour herdara um século de orientalismo ocidental moderno, conhecer sua historia, costumes, culturas e tradições era imprescindível para se conseguir uma dominação eficaz e segundo o autor Cromer “acreditava tê-lo utilizado ao governar o Egito.” (pág.48). E assim alavancara a supremacia racial e racional do europeu ocidental, fazendo uma analise antropológica dos povos Orientais, depreciando suas características típicas,

“O europeu é um raciocinador conciso; suas declarações de fato são desprovidas de qualquer ambiguidade; ele é um lógico natural, mesmo que não tenha estudado lógica; é por natureza cético e requer provas antes de aceitar a verdade de qualquer proposição: sua inteligência treinada trabalha como a peca de um mecanismo. A mente do oriental, por outro lado, assim como suas pitorescas ruas, é eminentemente carente de simetria.” (SAID, pág.48)


Tratando os Orientais como meros materiais humanos que estavam no mundo para serem governados, assim Cromer tinha sua compreensão dos povos orientais que governara. Baseado em teóricos orientalistas, Cromer utiliza-os para explicar por que os orientais são e como são. Energicamente ele discursa sobre a inferioridade cultural, intelectual e tecnológica dos orientais, como se fora num tribunal considera o oriental culpado pelo crime de ser oriental, sendo assim para Cromer,

“qualquer desvio do que se acreditava ser a norma do comportamento oriental era considerado antinatural; o último relatório anual de Cromer sobre o Egito, por conseguinte, proclamou ser o nacionalismo egípcio uma ideia inteiramente nova" e "urna planta de raízes antes exóticas que indígenas.” (SAID, pág.48)


Neste contexto dizer que o “orientalismo era uma racionalização da dominação colonial” é um tanto mostrar ignorância a expansão em que esse domínio era justificado pelo orientalismo. De acordo com Macedo (2006) “Said acredita que o século XVIII seja o lugar privilegiado para que as ideias sobre o Oriente viessem à tona e ganhassem nova roupagem sob o signo da filologia e de outras disciplinas do conhecimento”. Said nos diz que “Os homens sempre dividiram o mundo em regiões cujas distinções entre si eram reais ou imaginadas. A demarcação absoluta entre o Leste e o Oeste, que Balfour e Cromer aceitam com tanta complacência. tinha demorado anos. até séculos, para ser feita.” Teve vários descobrimentos proporcionados pelas guerras e pelo comércio em expansão no século XVIII que o autor nos dirá que tem dois elementos principais nessa relação Leste e o Oeste. O primeiro é o crescente conhecimento sistemático que a Europa adquiriu sobre o Oriente, e que foi ampliado quando houve o encontro colonizador e que segundo o autor, “a esse conhecimento foi acrescentado um considerável corpo de literatura produzida por romancistas, poetas, tradutores e viajantes talentosos.” (Said, pág.50), o outro elemento sem dúvidas fora a força de dominação, Said nos mostra que era a relação do forte (Ocidente) com o fraco (Oriente), do qual poderia ser suavizada pelo discurso de Cromer reconhecendo a grandeza da civilização Oriental.
Entretanto esse relacionamento essencial era considerado como sendo um relacionamento de um parceiro forte (Ocidente) e um parceiro fraco (Oriente). Said descreve como o oriental é visto em detrimento ao ocidental, “O oriental é irracional, depravado (caído), infantil, "diferente";” Já o europeu ocidental era visto “desse modo, o europeu é racional, virtuoso, maduro, "normal"“. De acordo o autor esses dois aspectos do relacionamento cultural discutido, são unidos, “O conhecimento do Oriente, posto que gerado da forca, em um certo sentido cria o Oriente, o oriental e seu mundo”. (SAID, pág.50) o autor nos leva para a problemática da força cultural ao qual afirma que não é uma coisa fácil de discutir, todavia, sua investigação tem o objetivo de analisar e refletir sobre um exercício de forca cultural. Segundo Said entre os séculos XIX e XX tudo que estive no Oriente era tido como inferior ao Ocidente. E dai se tem essa visão e conceituação do Oriente delimitado as salas de aulas, sendo julgado como num tribunal, ou como uma enciclopédia ou manual ilustrado, assim Said nos mostra o conceito de orientalismo nesse período, “O orientalismo, portanto, é um conhecimento do Oriente que põe as coisas orientais na aula, no tribunal, prisão ou manual para ser examinado, estudado, julgado, disciplinado ou governado”. (SAID, pág.51) O Orientalismo é visto como o modo dos Ocidentais pensarem e estudarem o Oriente, como um conjunto de categorias e valores baseados nas necessidades políticas e sociais do Ocidente em detrimento das realidades concretas do Oriente. Assim define KEMNITZ 2009,
Dentre as várias definições do “Orientalismo” apresentadas pelo autor: “uma tradição clássica de estudo”; “o modo de encarar o Oriente”; “o modo ocidental de dominar, reestruturar e exercer o poder sobre o Oriente”; “um conjunto de ideias circunscritas a valores, apresentados de modo generalizado, mentalidade, características do Oriente”; “uma instituição corporativa de conhecimento responsável pelo perpetuar dos estereótipos”; “um arquestilo de pensamento assente numa distinção ontológica entre o Oriente e o Ocidente” e “o sistema de representação do Oriente patente na ciência, consciência e nas políticas do império”, estas duas últimas tiveram maior relevância. Resultou daí uma análise de como uma cultura dominante se apodera da outra, a desfigura e assimila, ou por outras palavras, como um vocabulário e um imaginário próprios são aplicados por Ocidentais para observar e descrever o Oriente e, nesta base, estruturar a percepção, o conhecimento coletivamente suportado pelas instituições e por elas transmitido. (KEMNITZ 2009)[2]


Nos séculos XIX e XX o orientalismo reforçava e era reforçado por um conhecimento seguro que a Europa tinha, dominando vastos territórios. Said nos diz que

“O período de imenso avance das instituições e do conteúdo do orientalismo coincidiu exatamente com o período de inigualável expansão da Europa; ' de 1815 a 1914, o domínio colonial direto europeu cresceu de cerca de 35% para cerca de 85% de toda a superfície da terra.' Todos os continentes foram afetados, nenhum mais que a África e a Ásia.” (SAID, pág.51)

O que os ocidentais partilharam, todavia, não foi apenas a terra, o lucro da exploração e domínio, foi muito mais, foi o que Said chamou de poder intelectual denominado de orientalismo.
Orientalismo no ponto de vista do autor assume-se como uma crítica incisiva do fenómeno do Orientalismo. Com efeito, Said construiu um corpus constituído pelos escritos de intelectuais, literatos, governantes e políticos ingleses e franceses, emissários das duas principais potências que ocuparam e colonizaram o Oriente na época moderna, acrescendo ainda os testemunhos americanos em virtude de os Estados Unidos terem entrado na disputa ocidental sobre o Oriente, há pouco tempo.
            Assim concluímos no que Macedo 2009 conceituando na obra de Edward Said sobre o “Orientalismo”, definindo “Assim, podemos definir o Oriente, indo além da mera amarração a critérios de ordem geográfica, como uma construção ocidental, baseada em estereótipos reducionistas (o oriental é sensual, vícios o, tirânico, retrógrado e preguiçoso) para construir uma cultura homogênea passível de ser dominada, em nome de um Ocidente também idealizado.” (MACEDO, 2006, pág. 9)[3].
Por Elson Cassiano
Historiador/UERN


[1] RICOY, Diego. Orientalismo - Oriente como Invenção do Ocidente - Edward Said - Análise - Estudo
Oriente e Ocidente: uma construção ideológica. Blog: Historia em movimento, Postado em: quarta-feira, 16 de setembro de 2009, Disponível em: http://diegoricoy.blogspot.com.br/2009/09/orientalismo-ocidente-oriente-edward.html. Acessado em: 11/02/13
[2] KEMNITZ, Eva-Maria Von. O ORIENTALISMO NA PERSPECTIVA DE EDWARD SAÏD, [Intervenção no Colóquio sobre a Vida, Pensamento e Obra de Edward Said, organizado pelo MPPM no âmbito da Segunda Semana da Palestina e realizado no ISCTE em 26 de Novembro de 2009]
[3] MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de.  ORIENTE, OCIDENTE E OCIDENTALIZAÇÃO: DISCUTINDO CONCEITOS, Revista da Faculdade do Seridó, v.1, n. 0, jan./jun.2006 disponível em: http://www.faculdadedoserido.com.br/revista/v1_n0/helder_alexandre_medeiros_de_macedo.pdf

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