Agamben analisa o
triste destino das vitimas dos campos de extermínio nazista de uma forma que
nos causa certo espanto e perplexidade, até que ponto o ser humano pode chegar
com seus discursos civilizatórios e ao mesmo tempo animalescos. Agambem mostra
sem pormenores os horrores e maldade humana. Em sua problemática traça nos
campos da vida e da morte, do humano e do não-humano. Mas o que define o
conceito de vida e de morte? De humano e não-humano? Quem decide quem vai viver
ou morrer, quem é humano e não-humano? O Estado nacional soberano! É ele que
tem o poder legal decisão, o Estado está aquém dos arcabouços jurídicos, está
dentro e ao mesmo tempo fora do ordenamento jurídico. Nesse paradoxo da
soberania, Agamben “o soberano, tendo o poder legal de suspender a validade da
lei, coloca-se legalmente fora da lei” (Agamben, 2002, p. 23). Dessa maneira,
ratificar-se que o estado de exceção é uma situação legalmente permitida e
justificada – ele está autorizado pela lei.
No caso alemão, com a
acessão de Hitler ao poder, esse período de aproximadamente doze anos, é
considerado de acordo com a teoria de “estado de exceção” de Agamben, um estado
de exceção, desde o decreto de proteção do povo alemão e do Estado, que
suspendeu a constituição de Weimar e os direitos dos indivíduos. Para que esta
circunstância se concretizasse, os artigos da Constituição alusivos aos
direitos fundamentais não foram abolidos, suprimidos, mas foram temporariamente
suspensos. Logicamente que ao mesmo tempo em que o estado de exceção interrompe
o ordenamento jurídico, esta cessação é compreendida na esfera da ordem legal,
que nela registra uma anomia. Assim define Baraldi 2012,
“A suspensão da
norma configurada pelo estado de exceção evidencia um cenário em que os
direitos fundamentais estão expressos na ordem jurídica, contudo não têm
eficácia, não são resguardados. O contexto é o de uma lei que vigora, mas não
significa; uma lei que tem previsão, mas não aplicação.” (BARALDI 2012)[1]
Procurei entrar no
âmbito do pensamento de Agamben sobre estado de exceção para assim poder ir
fundo em suas concepções sobre o campo e o que se encontrava por lá, a própria
problemática sobre a vida e a morte, humano e não-humano dentro do campo. Temos
que compreender o que foi o campo para quem escapou ou viveu e morreu nesses
campos, essas bipolaridades conceituais, vida e morte, humano e não-humano só
serão compreendia se pudermos apreender o campo e para isso Baraldi 2012,
conceitua o campo de maneira concisa e dinâmica, dessa forma,
“O campo
constitui-se em um espaço de exceção, no qual, segundo Agamben, tudo é
verdadeiramente possível. No interior do campo, qualquer ser humano é
destituído de toda condição política e reduzido ao estatuto de simples vida
nua; a todo o momento, está à mercê de um poder incondicional de vida e morte.”
(BARALDI 2012)[2]
Tudo é possível e
qualquer ser humano dentro do campo é destituído de seus direitos, e reduzidos à
vida nua e crua, ou seja, chegando a condição de ser não vivente, não-humano,
assim Agamben começa a descreve o muçulmano, um morto vivo, um ser sem
esperanças, que pela sua condição física deplorável, já não consegue mais se
defender ou ter reação diante de seus carrascos. Assim descreve Agamben,
“O assim chamado
Mulselmann (Muçulmano), como era denominado, na linguagem do Lager, o
prisioneiro que havia abandonado qualquer esperança e que havia sido abandonado
pelo companheiro, já não dispunha de âmbito de conhecimento capaz de lhe
permitir discernimento entre bem e mal, nobreza e vileza, espiritualidade e não
espiritualidade. Era um cadáver ambulante, um feixe de funções físicas já em
agonia. Devemos, por mais dolorosa que nos pareça à escolha, excluí-lo da nossa
consideração.” (AGAMBEN 2008, p.49)
O muçulmano era o
estágio final do processo de desumanização industrial alemão, era um ser sem
vida perambulando entre os campos de extermínios, a vida vegetativa que eles
tinham não fazia jus ao conceito de vida e de morte, e é por isso, que eles os
chamavam de mortos-vivos, uma cena sem precedentes de crueldade e abnegação dos
direitos de viver. O estado de saúde em estavam no campo extermínio os tirava
de toda realidade possível chegando ao ponto de se isolarem num estado
esquizofrênico. Era um ser desprovido de toda humanidade e de vida, desprezados
pelos próprios companheiros de prisão, assim define o autor,
“O muçulmano não
causava pena a ninguém, nem podia contar com a simpatia de alguém. Os
companheiros de prisão, que temiam continuamente pela própria vida, nem sequer
se dignavam de lhe lançar um olhar. Para os prisioneiros que colaboravam, os
muçulmanos eram fonte de raiva e preocupação, para a SS eram apenas inútil
imundície.” (AGAMBEN 2008, p.51)
Causavam-lhes esse
repudio aos outros companheiros pelo fato de mostrarem o que estava prestes a
acontecerem com eles, para os soldados da SS eram apenas cadáveres em
decomposição, sem préstimo algum. Eles foram esmagados sem ao menos terem tempo
de se adaptarem a extrema realidade, por isso não eram considerados seres
vivos, nem mesmo humanos. Já não lhes restavam nada além de esperar seu
esgotamento e a própria morte nas câmaras de gás. Tinham uma vida curta, eram
considerados não homens por causa do seu estado de submissão, ninguém ao menos
os tinha como vivos, como também de mortos, pois estão esgotados demais para
compreenderem seu estado. Esse é o estado que o autor problematiza um estado de
pré-morte, a morte que chega antes da viva acabar.
A origem do nome
muçulmano nas línguas europeias varia bastante, mas sempre significando algo
desprezível, morto-vivo, idiotas, aleijados, camelo, imbecis. Já na língua
árabe significa submisso à vontade de Deus (Alá). Agamben irá tentar explicar o
comportamento desses seres bestializados, analisando a formação etimológica da
palavra “muçulmano”. (pág.53) Entretanto segundo o autor em “Auschewitz parece
ter, pelo contrario, perdido qualquer vontade e qualquer consciência”. (pág.53)
Perde totalmente o sentido original de muçulmano, submisso à vontade de Alá,
chegando ao quadro de não possuir vontade alguma. Assim segundo Agamben os
judeus sabem que em Auschewitz sabe que não morrerão como judeus, e sim como
muçulmano, isso explica o tamanho repudio pelos muçulmanos nos campos de
extermínios.
Seguindo na analise de
Agamben, o muçulmano não eram humanos, e eram considerados autistas ao extremo.
Assim o muçulmano se transformou em paradigma para a psiquiatria, e foram
estudados nos EUA que se compara a esquizofrenia infantil, e ensinavam o
muçulmano a voltarem a serem humano. Assim Agamben define o muçulmano, “O
muçulmano marcava de algum modo o instável imbral em que o homem passava a ser
não homem, e o diagnostico clinico passava a ser analise antropológica”.
(pág.55).
Os nazistas haviam
compreendido bem o paradigma da situação extrema que segundo o autor eles nunca
ab-rogavam o estado de exceção que havia sido decretado 1933 pelo terceiro
Reich, que o autor chama de noite de São Bartolomeu que durou 12 anos, fazendo
alusão ao massacre dos huguenotes pelos católicos. (pág.57) O autor vai dizer
que “Auschewitz é exatamente o lugar em que o estado de exceção coincide de
maneira perfeita, com a regra e a situação extrema converte-se no próprio
paradigma do cotidiano”. (pág.57) Entretanto o campo como extrema situação, dar
os aparatos de definição sobre o que é humano e o que é não humano e assim se
separe o humano do muçulmano. (pág.56).
A morte foi
desumanizada, a barbárie se espalha e se perpetua em solo civilizado. O estagio
do muçulmano segundo o autor era horripilante para os companheiros de prisão,
pois ninguém queria chegar até aquele triste destino. Para os companheiros de
prisão os viam, sem esperanças, sem rostos e assim os evitavam. (pág.60).
“antes de ser o campo da morte, Auschewitz é o lugar de um experimento ainda
impensado, no qual, para além da vida e da morte, o judeu se transforma em
muçulmanos e o homem em não homem”. (pág.60) O triste estado do estágio
muçulmano segundo o autor define-se no limite entre a vida e a morte que vai além
a definição do humano e do não-humano.
Por Elson Cassiano
Historiador/UERN
[1] BARALDI, Ivan. Estado de exceção e vida nua:
considerações sobre a (não) humanidade dos direitos Disponível em: http://www.ces.uc.pt/coimbrac/pages/pt/comunicacoes-e-posters/207---ivan-baraldi.php Acessado em 20/02/13.
[2]
BARALDI, Ivan. Estado de
exceção e vida nua: considerações sobre a (não) humanidade dos direitos
Disponível em: http://www.ces.uc.pt/coimbrac/pages/pt/comunicacoes-e-posters/207---ivan-baraldi.php Acessado em 20/02/13.
Um comentário:
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com um bom conteúdo, dou-lhe os meus parabéns.
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Sou António Batalha, do Peregrino E Servo.
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